Dia do Biomédico e Consciência Negra: história, diversidade e os impactos na ciência

Uma reflexão profunda sobre o Dia do Biomédico e o Dia da Consciência Negra, unindo história, resistência e ciência. Entenda como profissionais negros influenciaram avanços laboratoriais no Brasil e no mundo e por que diversidade fortalece a Biomedicina.

ATUALIDADESMAIS CLICADOSCONSULTORIA E GESTÃO BIOMÉDICA

Ariéu Azevedo Moraes

11/23/20256 min ler

Dia do Biomédico & Consciência Negra: quando a ciência encontra a resistência

A cada novembro, duas datas atravessam o calendário brasileiro carregadas de significado: 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, e 20 de novembro, Dia do Biomédico, profissão que cresceu silenciosamente dentro dos laboratórios, expandiu-se para mais de 35 habilitações e hoje é um dos pilares da saúde pública e privada no país.

Embora pareçam temas distintos, suas histórias são profundamente entrelaçadas — tanto pelos caminhos da ciência quanto pelos caminhos da luta social. Entender essa interseção é essencial para reconhecer como a Biomedicina se formou, como evoluiu e o porquê de sua identidade estar conectada à diversidade, à resistência e à presença de profissionais negros que, apesar de invisíveis em muitos momentos, impulsionaram avanços que salvaram milhões de vidas.

Este artigo aprofunda essas histórias, trazendo contexto histórico mundial, panorama brasileiro, protagonistas esquecidos, conexões com análises clínicas e uma reflexão sobre representatividade e futuro.

1. Biomedicina: uma ciência jovem com raízes profundas

A Biomedicina, oficialmente regulamentada no Brasil em 1979, nasceu como uma resposta à necessidade crescente de profissionais especializados em análises laboratoriais, imunologia, hematologia, microbiologia e pesquisa biomédica.

Desde 2004, quando iniciei minha própria trajetória, a profissão viveu transformações importantes: ampliação das áreas de atuação, presença marcante em serviços públicos, crescimento das especializações e papel decisivo em pandemias e emergências sanitárias.

No entanto, apesar de jovem como profissão regulamentada, a base científica que sustenta a Biomedicina atravessa décadas — e nela, pessoas negras tiveram papel central, embora pouco citado nos livros didáticos.

O Dia do Biomédico e o Dia da Consciência Negra se encontram na história: ambos celebram resistência, ciência e contribuição. Profissionais negros tiveram papel decisivo na evolução das análises clínicas, da hematologia à saúde pública. Reconhecer essa trajetória é essencial para construir uma Biomedicina mais diversa, humana e representativa.

2. Consciência Negra: resistência, identidade e o apagamento histórico

O Dia da Consciência Negra é dedicado a refletir sobre a luta, a cultura e a resistência negra no Brasil. A escolha da data homenageia Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência ao sistema escravocrata.

Mas o significado vai muito além das discussões raciais: trata-se de reconhecer uma história construída por mãos negras — inclusive na ciência — que foram sistematicamente apagadas.

3. Quando as histórias se cruzam: o vínculo entre ciência e resistência

A ciência, em seu ideal mais puro, se apoia em três pilares:

  • curiosidade,

  • rigor metodológico,

  • compromisso com a vida humana.

Esses mesmos pilares também moldaram a luta das populações negras:
a busca por conhecimento, a resistência diante das adversidades e o compromisso com a própria sobrevivência e dignidade.

A interseção entre Biomedicina e Consciência Negra se torna evidente quando analisamos o papel de cientistas, pesquisadores e técnicos negros que contribuíram para áreas como hematologia, imunologia, microbiologia, parasitologia — muitas vezes sem o devido reconhecimento.

4. Histórias que mudaram a ciência mundial (e que quase foram esquecidas)

Charles Drew — o pai dos bancos de sangue modernos

O médico e pesquisador afro-americano Charles Drew (1904–1950) revolucionou a hematologia ao desenvolver técnicas de armazenamento, processamento e conservação de sangue, permitindo a criação dos primeiros bancos de sangue em larga escala.

Seu trabalho permitiu que milhões de soldados fossem salvos durante a Segunda Guerra Mundial — ironicamente, enquanto ele mesmo enfrentava leis segregacionistas absurdas, como a proibição de que pessoas negras doassem sangue para brancos em alguns estados dos EUA.

Drew recusou-se a aceitar essa prática por considerá-la anticientífica e racista. Seu legado está presente em cada bolsa transfundida, em cada setor de imunologia e hemoterapia do mundo.

Rebecca Lee Crumpler — a primeira médica negra dos EUA

Em 1864, ainda no período da escravidão, Crumpler tornou-se a primeira mulher negra médica nos Estados Unidos. Seu foco em saúde pública, doenças infecciosas e cuidados comunitários abriu portas para gerações futuras — incluindo muitas áreas hoje conectadas à Biomedicina.

Solomon Carter Fuller — pioneiro no estudo da Doença de Alzheimer

Pouco divulgado, Fuller trabalhou ao lado de Alois Alzheimer e foi responsável por grande parte das descrições neuropatológicas que sustentaram o entendimento da doença. Sua contribuição, no entanto, levou décadas para ser reconhecida.

Resistência na pesquisa: Henrietta Lacks e as células HeLa

Nenhum laboratório de análises clínicas moderno existiria como é hoje sem as células HeLa, derivadas de Henrietta Lacks, uma mulher negra norte-americana cujo tecido tumoral foi coletado sem consentimento em 1951.
Essas células imortalizadas permitiram:

  • desenvolvimento da vacina contra poliomielite,

  • estudo de vírus,

  • pesquisas em câncer,

  • testes de fármacos,

  • avanços em microbiologia e citologia.

A contribuição é inegável, mas também carrega a marca de um sistema que explorou corpos negros sem ética, algo que até hoje nos faz refletir sobre bioética, justiça e representatividade.

5. E no Brasil? A contribuição negra na ciência e nos laboratórios

O apagamento também aconteceu aqui. Poucos conhecem nomes de cientistas negros brasileiros que deixaram marcas profundas no sistema de saúde.

Carlos Chagas Filho (e a equipe diversa do Instituto Oswaldo Cruz)

Embora não negro, o Instituto Oswaldo Cruz teve enorme participação de profissionais negros em seus laboratórios e campanhas sanitárias, especialmente durante o início do século XX. Muitos atuaram em:

  • coleta de amostras,

  • análise parasitológica,

  • controle vetorial,

  • campanhas de febre amarela, malária, varíola e ancilostomose.

Registrados às vezes apenas como “auxiliares”, esses profissionais realizaram trabalhos fundamentais para a expansão das análises clínicas no Brasil.

Juliano Moreira — psiquiatra, pesquisador e sanitarista

Juliano Moreira (1872–1933), médico negro brasileiro, combateu teorias racistas que tentavam vincular doença mental à raça. Seu trabalho científico e institucional reorganizou o sistema de saúde mental brasileiro e influenciou pesquisas biomédicas.

Os técnicos e analistas invisibilizados da saúde pública

Nos bastidores das emergências sanitárias brasileiras — dengue, Zika, chikungunya, COVID-19 — uma força de trabalho diversa, formada por muitos profissionais negros, sustentou os laboratórios de vigilância.

Nos setores de:

  • parasitologia,

  • microbiologia,

  • imunologia,

  • biologia molecular,

  • coleta e triagem,

Há uma base histórica de trabalhadores negros que, mesmo sem reconhecimento, garantiram diagnósticos, laudos e controle epidemiológico.

6. Diversidade melhora diagnósticos, ciência e resultados

Não é apenas uma questão ética: é uma questão científica.

Estudos internacionais mostram que equipes diversas:

  • identificam melhor erros,

  • trazem diagnósticos mais assertivos,

  • ampliam a visão em saúde pública,

  • geram pesquisas mais completas e aplicáveis,

  • melhoram a relação com a população atendida.

Biomedicina e diversidade caminham juntas porque a ciência floresce onde múltiplas perspectivas coexistem.

7. A Biomedicina brasileira hoje: entre desafios e esperança

Em 2023, o Brasil ultrapassou cerca de 300 mil biomédicos inscritos, com forte presença na saúde pública.
Esse crescimento reflete:

  • expansão de laboratórios municipais,

  • aumento da demanda por diagnóstico,

  • fortalecimento das análises clínicas,

  • avanços em biotecnologia e biologia molecular.

Ao mesmo tempo, persistem desafios:

  • desigualdade racial no acesso à formação,

  • falta de representatividade em cargos de pesquisa,

  • barreiras estruturais no sistema de saúde.

Reconhecer esses pontos não diminui a profissão — fortalece.
Porque só melhora aquilo que é confrontado, repensado e reconstruído.

8. A minha história dentro dessa narrativa coletiva

Como biomédico desde 2004, vivi de perto a transformação da profissão.
Passei por:

  • hospitais,

  • saúde pública,

  • ensino,

  • consultoria,

  • marketing laboratorial,

  • criação de ferramentas digitais,

  • projetos de educação continuada.

E, assim como eu, muitos colegas — negros, brancos, indígenas — constroem diariamente uma Biomedicina plural, técnica, responsável e humana.

A Consciência Negra me lembra que nada do que fazemos hoje nasce do zero.
Existe uma linha histórica de resistência e inteligência que sustenta cada setor, cada amostra, cada laudo.

9. Homenagem e responsabilidade: olhar para trás para avançar

O Dia do Biomédico não celebra apenas o profissional formado, mas toda a história que torna esse trabalho possível.
O Dia da Consciência Negra não celebra apenas uma data, mas uma luta contínua.

Juntas, essas datas nos convidam a:

  • reconhecer quem veio antes;

  • dar visibilidade aos profissionais negros que sustentaram avanços científicos;

  • lutar por equidade nas universidades, laboratórios e centros de pesquisa;

  • construir uma ciência mais justa, diversa e humana.

Meu reconhecimento vai para todos os biomédicos e biomédicas, e especialmente para os profissionais negros que abriram portas mesmo quando elas estavam fechadas.

Assim concluímos que: ciência e consciência caminham lado a lado

A Biomedicina nasceu para investigar, descobrir e cuidar.
A Consciência Negra nasceu para resistir, afirmar e transformar.
Quando unimos as duas, entendemos que não existe ciência sem humanidade, e não existe humanidade sem diversidade.
Que novembro seja um lembrete, mas que o compromisso dure o ano inteiro.

Saudações Biomédicas.

Ariéu Azevedo Moraes|Biomédico — Fundador do Pipeta e Pesquisa

Histórias contadas de um jeito diferente
Você pode se interessar sobre:

Entenda o que significa Gama-GT (GGT) elevada, como interpretar em conjunto com outras enzimas, quando suspeitar de colestase, álcool, medicamentos ou lesão hepatobiliar. Guia completo com foco em análises clínicas.

A fitohemaglutinina presente no feijão cru pode causar aglutinação de hemácias, intoxicação e alterações em exames laboratoriais. Entenda como essa toxina vegetal age, quais sintomas provoca e o que o laboratório encontra na análise do sangue, fezes e eletrólitos.

Deixe seu comentário