Pseudotrombocitopenia: Aglutininas, EDTA e Anticoagulantes Alternativos no Laboratório

Entenda como aglutininas e o uso de EDTA podem causar pseudotrombocitopenia, simulando plaquetopenia no hemograma. Veja estratégias práticas com anticoagulantes alternativos e revisão de esfregaço para evitar erros na rotina do laboratório.

HEMATOLOGIACOLETA E PREPARO

Ariéu Azevedo Moraes

3/18/20255 min ler

lâmina de hemograma com um coágulo de plaquetas, hemáceas e um neutrófilo
lâmina de hemograma com um coágulo de plaquetas, hemáceas e um neutrófilo

Aglutininas, EDTA e Pseudotrombocitopenia: Guia Completo para Profissionais de Laboratório

No dia a dia dos laboratórios de análises clínicas, não é raro se deparar com situações em que o número não combina com o paciente. Uma contagem de plaquetas muito baixa em um hemograma de rotina, sem qualquer sinal clínico de sangramento, acende o alerta: será trombocitopenia verdadeira ou pseudotrombocitopenia induzida pelo anticoagulante?

A pseudotrombocitopenia é um fenômeno laboratorial em que a contagem plaquetária aparece artificialmente reduzida, geralmente por agregação de plaquetas em presença do EDTA. À primeira vista, o resultado pode sugerir um quadro grave, mas, na prática, trata-se de um artefato pré-analítico relacionado à ação de aglutininas plaquetárias e ao tipo de anticoagulante utilizado no tubo de coleta.

Reconhecer esse padrão é fundamental para evitar diagnósticos equivocados, investigações desnecessárias, encaminhamentos indevidos para hematologia e, em alguns casos, até suspensão de procedimentos por medo de sangramento que, na verdade, não existe.

Neste artigo, você vai entender o que são as aglutininas (a frio e a quente), como o EDTA pode induzir artefatos na contagem de plaquetas, quais são os sinais de suspeita de pseudotrombocitopenia no hemograma e quais estratégias laboratoriais — incluindo o uso de anticoagulantes alternativos e avaliação em esfregaço — devem ser adotadas para garantir resultados coerentes com o quadro clínico do paciente.O Que É a Pseudotrombocitopenia?

A pseudotrombocitopenia é uma condição em que os analisadores hematológicos detectam uma contagem de plaquetas artificialmente reduzida, mesmo que o paciente tenha níveis normais dessas células. Isso acontece porque aglutininas (autoanticorpos) ou certos reagentes laboratoriais provocam a agregação das plaquetas in vitro, fazendo com que os equipamentos não reconheçam os agregados como plaquetas isoladas. O resultado? Uma contagem que sugere trombocitopenia, levando muitas vezes a preocupações clínicas desnecessárias ou até à realização de exames e procedimentos invasivos.

Aglutininas a Frio e a Quente: Entendendo os Autoanticorpos

Aglutininas a Frio

As aglutininas a frio são geralmente do tipo IgM, e têm a particularidade de se ligarem a antígenos presentes na superfície das hemácias em temperaturas abaixo de 37°C. Essa ligação forma aglomerados celulares, que podem ser confundidos com outras estruturas celulares pelos analisadores hematológicos.

  • Consequências laboratoriais: formação de agregados de hemácias que atrapalham a leitura automatizada das plaquetas.

  • Interferência na contagem: os equipamentos podem interpretar erroneamente os agregados como células únicas ou descartá-los, reduzindo a contagem aparente de plaquetas.

  • Soluções práticas: o aquecimento da amostra a 37°C por 30 minutos antes da análise pode ajudar a dissociar os agregados, permitindo uma contagem mais precisa.

Aglutininas a Quente

Já as aglutininas a quente são geralmente do tipo IgG, e atuam em temperaturas próximas à do corpo humano (37°C). Embora menos associadas à pseudotrombocitopenia, elas são clinicamente relevantes, pois podem causar anemia hemolítica autoimune.

  • Impacto laboratorial: podem causar hemólise e interferir indiretamente em diversos parâmetros hematológicos.

  • Importância clínica: seu reconhecimento é fundamental para o diagnóstico de doenças autoimunes e outras condições imunomediadas.

EDTA e a Pseudotrombocitopenia: Um Desafio Diagnóstico

A pseudotrombocitopenia é uma queda falsa da contagem de plaquetas, geralmente causada por agregação plaquetária em amostras com EDTA. Identificar aglutininas, revisar o esfregaço e testar anticoagulantes alternativos, como citrato, ajuda a diferenciar artefato pré-analítico de trombocitopenia verdadeira e evita condutas equivocadas.

Mecanismo da Interferência

O EDTA (ácido etilenodiamino tetra-acético) é o anticoagulante mais usado em exames hematológicos. Ele atua quelando o cálcio, essencial para a coagulação sanguínea. No entanto, ao fazer isso, ele pode provocar alterações na estrutura das plaquetas, expondo epítopos que antes estavam ocultos.

Essa exposição anômala leva à ligação com anticorpos naturalmente presentes no sangue, o que resulta na formação de agregados plaquetários que confundem os analisadores.

Fatores de Risco

  • Presença de autoanticorpos específicos contra epítopos plaquetários.

  • Predisposição genética ou imunológica individual.

  • Armazenamento inadequado da amostra em temperaturas frias.

Anticoagulantes Alternativos: Como Confirmar a Pseudotrombocitopenia?

Citrato de Sódio

O citrato de sódio é uma excelente alternativa ao EDTA:

  • Atua quelando o cálcio de forma reversível.

  • Muito utilizado em testes de coagulação, mas também viável em contagens plaquetárias.

  • Importante: a amostra precisa de correção matemática, pois o citrato dilui o sangue em uma proporção de 9:1.

Heparina

Outro substituto é a heparina, que inibe a coagulação por ativação da antitrombina III.

  • Pode ser útil para contagem de plaquetas.

  • Porém, em algumas pessoas, pode provocar agregação plaquetária, gerando outros tipos de interferências.

Protocolo Laboratorial para Pseudotrombocitopenia

Diante da suspeita de pseudotrombocitopenia, o laboratório deve seguir um protocolo criterioso:

  1. Revisão do esfregaço sanguíneo
    A análise microscópica é fundamental. É possível visualizar diretamente os agregados plaquetários e avaliar a morfologia das células.

  2. Nova coleta com anticoagulante alternativo

    • Priorizar o uso de citrato de sódio ou heparina.

    • Realizar a contagem o mais rápido possível para evitar degradação celular.

  3. Aquecimento da amostra (se houver suspeita de aglutininas a frio)

    • Incubar a amostra a 37°C por 30 minutos antes da análise.

    • Repetir a contagem imediatamente após o aquecimento.

  4. Comunicação com o médico solicitante

    • Informar sobre a suspeita de pseudotrombocitopenia.

    • Detalhar os métodos adotados e sugerir monitoramento clínico com base nos resultados corrigidos.

  5. Documentação rigorosa

    • Registrar todos os procedimentos no laudo.

    • Mencionar a presença de agregados no esfregaço.

O Papel da Educação Continuada em Análises Clínicas

A pseudotrombocitopenia é apenas um entre muitos exemplos de como conhecimento técnico-científico é essencial para a prática biomédica. Muitos erros diagnósticos poderiam ser evitados se os profissionais estivessem atentos a interferências pré-analíticas e limitações dos equipamentos automatizados.

Por isso, a educação continuada deve ser uma prioridade nos laboratórios clínicos. Treinamentos frequentes, atualização sobre marcadores hematológicos, automatização laboratorial e interpretação clínica de exames são pilares da qualidade diagnóstica.

Finalizamos assim:

A pseudotrombocitopenia induzida por EDTA ou aglutininas não é uma condição rara e pode levar a erros diagnósticos significativos se não for reconhecida corretamente. Saber identificar os sinais laboratoriais, aplicar protocolos bem definidos e comunicar-se de forma clara com a equipe clínica são atitudes que fazem toda a diferença no cuidado ao paciente.

Na era da biomedicina moderna, a excelência em análises clínicas não depende apenas de tecnologia de ponta, mas também do olhar atento e da competência técnica de cada profissional do laboratório.

Referências

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