O Abacaxi e os Testes Imuno-Hematológicos: Quando a Natureza Encontra o Laboratório
Você sabia que o abacaxi pode interferir nos testes imuno-hematológicos? Entenda a relação entre a bromelina, presente na fruta, e os resultados laboratoriais, e veja por que conhecer essas interações é fundamental na rotina das análises clínicas.
BIOLOGIA MOLECULAR E BIOTECNOLOGIAIMUNOLOGIAHEMATOLOGIA
Ariéu Azevedo Moraes
10/18/20254 min ler


Quando o abacaxi entra em cena no laboratório
No universo das análises clínicas, muitas vezes o que o paciente consome pode interferir de formas sutis — e, por vezes, surpreendentes — nos resultados dos exames.
Entre as frutas tropicais, o abacaxi merece um destaque especial. Não apenas pelo seu sabor ácido e refrescante, mas por conter uma enzima de alto interesse biológico: a bromelina.
A bromelina é uma protease, ou seja, uma enzima capaz de quebrar proteínas. Ela está concentrada principalmente no caule e na polpa do abacaxi (Ananas comosus). Esse composto tem propriedades terapêuticas — anti-inflamatórias, anticoagulantes e fibrinolíticas —, mas também pode provocar interferências em testes laboratoriais, especialmente os imuno-hematológicos, usados em tipagem sanguínea, pesquisa de anticorpos e provas cruzadas.
A bromelina e o sangue: uma interação bioquímica curiosa
A bromelina atua clivando proteínas de membrana, inclusive as presentes na superfície das hemácias. Essa característica é explorada na pesquisa científica e até em técnicas laboratoriais específicas — mas também é a razão de muitas “pegadinhas” no diagnóstico.
Nos testes imuno-hematológicos, ela pode:
Alterar antígenos eritrocitários, dificultando a leitura de aglutinações;
Aumentar reações inespecíficas, simulando resultados falso-positivos;
Potencializar reações em testes de compatibilidade ou triagem de anticorpos;
Modificar a sensibilidade de testes de detecção de anticorpos irregulares.
Em resumo, a bromelina é uma faca de dois gumes: pode ser útil como reagente em alguns protocolos, mas também prejudicial quando presente no organismo de quem consumiu grandes quantidades de abacaxi próximo à coleta.
A bromelina, enzima presente no abacaxi, pode alterar os resultados de testes imuno-hematológicos, provocando aglutinações inespecíficas e dificultando a interpretação da tipagem sanguínea e provas de compatibilidade.
Como a bromelina é usada (e controlada) nos testes laboratoriais
Curiosamente, a bromelina não é apenas uma interferência — ela também é ferramenta de laboratório. Em testes de triagem imuno-hematológica, a enzima é utilizada para tratar hemácias e remover certas glicoproteínas de superfície, tornando os antígenos mais acessíveis.
Esse processo melhora a detecção de anticorpos Rh, Kidd e Lewis, entre outros.
Entretanto, não todos os sistemas sanguíneos respondem da mesma forma. A bromelina pode destruir antígenos de outros grupos (como Duffy e MNS), interferindo na reatividade esperada e levando a resultados inconclusivos se o profissional não estiver atento.
Na prática, laboratórios de imuno-hematologia usam bromelina padronizada e controlada, com concentração e tempo de exposição determinados para evitar erros. Mas o consumo de abacaxi — especialmente em grandes quantidades ou em suplementos com bromelina — pode gerar efeitos similares, de forma imprevisível.
O caso clínico: o “paciente do abacaxi”
Imagine a seguinte situação real:
Um paciente chega para realizar a tipagem ABO e Rh, além da prova cruzada para uma transfusão de urgência. O técnico observa reação de aglutinação forte e irregular, sem padrão compatível com nenhum grupo sanguíneo.
Após repetir o teste e revisar os controles, o resultado permanece inconclusivo. Horas depois, ao revisar o questionário pré-transfusão, descobre-se que o paciente havia tomado suplemento de bromelina concentrada para tratar inflamações musculares — e consumia suco de abacaxi diariamente.
Esse tipo de episódio, documentado em literatura científica, demonstra que a bromelina pode causar aglutinações inespecíficas, mimetizando anticorpos frios e confundindo a leitura da reação.
O resultado? Um verdadeiro “abacaxi” para o setor de imuno-hematologia resolver.
Interferências conhecidas: o que o laboratório deve observar
Os principais efeitos observados da bromelina em testes imuno-hematológicos incluem:
Reatividade aumentada em provas de aglutinação com soro de pacientes;
Falso-positivos em triagem de anticorpos irregulares;
Destruição de antígenos Duffy (Fy) e MNS (M, N, S, s);
Aglutinações inespecíficas em provas cruzadas;
Alterações transitórias que podem ser confundidas com anticorpos autoimunes.
Por isso, recomenda-se:
Questionar o paciente sobre suplementos e alimentos consumidos antes da coleta;
Evitar testes logo após o uso de bromelina medicinal ou digestiva;
Repetir o exame após 48 horas, caso o resultado seja inconsistente;
Registrar interferências suspeitas para rastreabilidade laboratorial.
Do campo à bancada: o poder da bromelina
A bromelina é estudada desde o século XIX e ainda hoje desperta interesse científico.
Além da aplicação na imuno-hematologia, há pesquisas sobre seu uso em:
Terapias anti-inflamatórias e antitrombóticas;
Desbridamento enzimático de feridas;
Tratamento coadjuvante de doenças respiratórias e gastrointestinais;
Indústria alimentícia e farmacêutica, pela sua capacidade de digerir proteínas.
No contexto das análises clínicas, seu efeito sobre as hemácias a torna tanto uma ferramenta quanto um desafio, exigindo conhecimento técnico apurado e atenção aos detalhes no pré e pós-analítico.
Conclusão: um abacaxi que vale conhecer
O abacaxi pode parecer um simples alimento tropical, mas dentro do laboratório ele revela um universo bioquímico fascinante.
A bromelina, sua enzima característica, é capaz de alterar a superfície das hemácias, potencializando ou mascarando reações imuno-hematológicas.
Por isso, compreender suas ações é indispensável para profissionais de análises clínicas e bancos de sangue, que precisam diferenciar interferências verdadeiras de resultados clínicos significativos.
Na prática, o consumo ocasional de abacaxi dificilmente causará problemas. Mas em situações de suplementação, uso terapêutico ou ingestão frequente, o cuidado deve ser redobrado.
Assim como na biomedicina, na vida também vale a máxima: antes de descascar o problema, descubra de onde veio o abacaxi.
Referências
Mollison, P. L., Engelfriet, C. P., & Contreras, M. (2014). Blood Transfusion in Clinical Medicine. Wiley-Blackwell.
Pereira, D. F., et al. (2020). Effect of bromelain-treated red cells on antibody detection. Transfusion Medicine.
National Center for Biotechnology Information (NCBI) – Bromelain Overview.
AABB Technical Manual, 21st Edition (2022). Bromelain and papain in antibody detection and identification.
Oliveira, T. G. et al. (2019). Enzimas proteolíticas no tratamento de hemácias para testes imuno-hematológicos. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia.

O Abacaxi e os Testes Imuno-Hematológicos: Quando a Natureza Encontra o Laboratório
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