Tipos de Infecção e o Papel das Análises Clínicas no Diagnóstico e Prevenção

Entenda os principais tipos de infecção — cruzada, endógena, exógena e hospitalar — e descubra como as análises clínicas atuam no diagnóstico, controle e prevenção de surtos em ambientes de saúde.

ATUALIDADESCOLETA E PREPAROCONSULTORIA E GESTÃO BIOMÉDICAMICROBIOLOGIA

Ariéu Azevedo Moraes

10/18/202510 min ler

Representação de um microscópio e vírus no ar
Representação de um microscópio e vírus no ar

FAQ – Tipos de infecção e o papel das análises clínicas

1. O que é infecção e por que entender seus tipos é tão importante?

Infecção é a invasão e multiplicação de micro-organismos no organismo (bactérias, vírus, fungos, parasitas), levando a uma resposta imunológica que pode ou não causar sintomas.

No dia a dia de hospitais, ambulatórios, laboratórios e unidades básicas, as infecções:

  • Aumentam tempo de internação;

  • Elevam custos de tratamento;

  • Podem evoluir para surtos;

  • Contribuem para o avanço de bactérias multirresistentes.

Entender de onde vem a infecção — se é cruzada, endógena, exógena ou hospitalar — é o primeiro passo para:

  • Escolher o exame correto;

  • Interpretar laudos de forma crítica;

  • Definir medidas de prevenção e controle;

  • Reduzir o uso indiscriminado de antibióticos.

2. Quais são os principais tipos de infecção e como eles se diferenciam?

De forma prática, podemos classificar as infecções em quatro grandes grupos:

  • Infecção cruzada – quando o micro-organismo passa de um paciente para outro (ou via superfície/equipamento/profissional de saúde);

  • Infecção endógena – quando o próprio paciente é a fonte, a partir da sua microbiota normal;

  • Infecção exógena – quando o agente vem de fora do organismo (ambiente, alimentos, água, outras pessoas);

  • Infecção hospitalar ou IRAS – adquirida durante a assistência à saúde, geralmente após 48 horas de internação ou em até 30 dias de um procedimento.

Essa classificação ajuda o laboratório e a Comissão de Controle de Infecção a entender onde está a falha: na higiene de mãos, na limpeza do ambiente, na técnica de coleta, na manipulação de dispositivos invasivos ou na própria condição clínica do paciente.

3. Infecção cruzada e infecção hospitalar são a mesma coisa?

Não exatamente.

Infecção cruzada descreve a forma de transmissão: quando um micro-organismo passa de um paciente para outro, ou por meio de superfícies, equipamentos e mãos de profissionais.

Já a infecção hospitalar / IRAS fala sobre o local e o contexto em que a infecção foi adquirida (durante a assistência à saúde, em hospital, clínica, UPA, etc.).

Uma infecção hospitalar pode ser causada por:

  • Infecção cruzada entre pacientes;

  • Micro-organismos do ambiente (exógenos);

  • Microbiota do próprio paciente (endógena), ativada pelo uso de dispositivos invasivos ou imunossupressão.

4. O que é infecção cruzada em laboratório e hospital? Como ela acontece na prática?

Infecção cruzada é a transmissão de um micro-organismo de um paciente para outro, ou para um profissional, por meio de:

  • Contato direto (pele, secreções);

  • Mãos de profissionais de saúde;

  • Equipamentos compartilhados (estetoscópios, termômetros, sondas);

  • Superfícies e bancadas;

  • Materiais não adequadamente desinfetados ou esterilizados.

No contexto de laboratório e assistência, isso pode ocorrer durante:

  • Coletas de sangue e outros fluidos sem técnica adequada;

  • Manipulação de amostras sem EPIs corretos;

  • Reprocessamento inadequado de materiais;

  • Falhas na desinfecção de bancadas, centrífugas e cabines.

Onde as análises clínicas entram na infecção cruzada?

  • Identificando o agente causador (cultura, antibiograma, PCR, testes rápidos);

  • Ajudando a mapear padrões de resistência que sugerem cadeia de transmissão;

  • Mantendo protocolos rígidos de biossegurança (EPIs, limpeza, transporte de amostras);

  • Garantindo que tubos, lâminas, pipetas e superfícies não se tornem vetores.

Em surtos, a microbiologia clínica é essencial para dizer: “esse paciente e aquele outro possuem o mesmo perfil de resistência, provavelmente o mesmo clone bacteriano”.

5. O que é infecção endógena? Pode dar um exemplo clínico simples?

Na infecção endógena, a fonte do micro-organismo é o próprio paciente. Bactérias que fazem parte da microbiota normal — pele, trato respiratório, trato gastrointestinal, geniturinário — migram para locais onde não deveriam estar.

Exemplo clássico:

  • Escherichia coli que vive no intestino, mas migra para o trato urinário e causa infecção urinária.

Costuma ser mais frequente em:

  • Pacientes com imunidade baixa;

  • Pessoas em uso prolongado de antibióticos, que desequilibram a microbiota;

  • Portadores de cateteres, sondas e próteses.

Como o laboratório identifica uma infecção endógena?

  • Urocultura, hemocultura, coprocultura, secreções – identificam a bactéria e sua carga;

  • Hemograma, PCR, procalcitonina – ajudam a diferenciar colonização de infecção ativa;

  • Antibiograma – indica quais antibióticos ainda são eficazes.

O biomédico precisa correlacionar: onde a bactéria foi encontrada e onde ela normalmente habita, para entender se é colonização, contaminação ou infecção endógena real.

6. Em quais situações a infecção endógena é mais comum?

A infecção endógena aparece com mais frequência em contextos como:

  • Pacientes imunossuprimidos (quimioterapia, corticoides, HIV avançado, pós-transplante);

  • Uso prolongado de antibióticos, que desorganiza a microbiota e abre espaço para supercrescimento de alguns patógenos;

  • Presença de próteses, cateteres e sondas, que servem como porta de entrada para micro-organismos da própria pele ou mucosa;

  • Cirurgias gastrointestinais e urológicas, em que há manipulação de conteúdos internos.

Nesses cenários, a linha entre colonização e infecção é tênue, e a interpretação dos exames precisa ser feita em conjunto com a equipe assistencial.

7. O que é infecção exógena? Quais são exemplos desse tipo de infecção?

Na infecção exógena, o agente vem de uma fonte externa ao organismo:

  • Alimentos contaminados;

  • Água ou superfícies;

  • Ar em ambientes fechados;

  • Contato direto com outro indivíduo infectado.

Exemplos comuns:

  • Intoxicações alimentares por Salmonella ou Staphylococcus aureus;

  • Infecções respiratórias virais (influenza, SARS-CoV-2 e outros vírus sazonais);

  • Infecções de feridas após contato com superfícies contaminadas.

Como as análises clínicas ajudam na infecção exógena?

  • Culturas bacterianas (coprocultura, hemocultura, secreções) identificam o micro-organismo;

  • Sorologias e PCR/RT-PCR detectam vírus e bactérias de forma rápida e sensível;

  • O laboratório se torna o “olho” da vigilância epidemiológica, mostrando:

    • qual agente está circulando;

    • se há múltiplos casos com o mesmo padrão (possível surto);

    • se existe resistência inesperada a antibióticos.

Isso vale tanto para surtos alimentares, quanto para epidemias comunitárias ou infecções associadas ao ambiente hospitalar.

8. O que é infecção hospitalar (IRAS) segundo o Ministério da Saúde?

Infecção hospitalar, hoje chamada de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (IRAS), é aquela:

  • que surge após 48 horas de internação;

  • ou em até 30 dias após um procedimento cirúrgico;

  • e que não estava presente ou incubada no momento da admissão.

Essas infecções:

  • Aumentam significativamente a morbi–mortalidade;

  • Estão ligadas a bactérias multirresistentes;

  • São, em grande parte, evitáveis com boas práticas.

Entre os agentes mais frequentes nas IRAS:

  • Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (MRSA);

  • Pseudomonas aeruginosa;

  • Klebsiella pneumoniae (incluindo cepas produtoras de carbapenemases);

  • Acinetobacter baumannii;

  • Fungos emergentes, como Candida auris.

9. Quais exames laboratoriais são mais úteis para suspeita de infecção hospitalar (IRAS)?

Em suspeita de IRAS, os exames mais utilizados incluem:

  • Hemocultura – fundamental em sepse e febre sem foco definido;

  • Urocultura – em pacientes com sonda vesical ou sintomas urinários;

  • Cultura de secreção respiratória (aspirado traqueal, escarro, lavado broncoalveolar) – em pacientes entubados ou com pneumonia;

  • Cultura de feridas cirúrgicas ou drenos – para infecções de sítio cirúrgico;

  • Swabs de vigilância (nariz, axila, região perianal) – para rastrear colonização por MRSA, VRE, KPC e outros.

Associados a:

  • Hemograma, PCR, procalcitonina – para avaliar gravidade e resposta à terapia;

  • Relatórios seriados de resistência entregues à CCIH, permitindo ajuste de protocolos.

10. Como identificar no laboratório se uma infecção é endógena ou exógena?

Na prática, o laboratório não “carimba” no laudo se a infecção é endógena ou exógena, mas fornece pistas importantes:

  • Qual micro-organismo foi isolado? Faz parte da microbiota normal daquele sítio ou não?

  • De que material a amostra veio? (sangue, urina, escarro, secreção de ferida, ponta de cateter…)

  • Há mais de um paciente com o mesmo agente e o mesmo perfil de resistência?

Se um germe típico da microbiota intestinal é isolado em urina de paciente sondado, isso sugere infecção endógena associada a procedimento.
Se diversos pacientes em uma mesma unidade começam a apresentar o mesmo agente, com o mesmo antibiograma, o cenário aponta mais para infecção exógena/cruzada ou IRAS.

11. O que o antibiograma revela sobre o tipo de infecção?

O antibiograma não classifica a infecção em cruzada, endógena ou exógena, mas ajuda a:

  • Identificar padrões de resistência típicos de ambiente hospitalar (como MRSA, KPC, ESBL, CRE);

  • Comparar isolados de diferentes pacientes e suspeitar de cadeias de transmissão;

  • Diferenciar infecções comunitárias (geralmente com sensibilidade maior) de infecções nosocomiais (com resistência elevada).

Quando vários isolados apresentam o mesmo perfil de resistência incomum, isso acende um alerta para possível surto e reforça a necessidade de revisão de fluxos de biossegurança e uso de antimicrobianos.

12. Como o biomédico atua na investigação e no controle das infecções?

O biomédico clínico é um elo estratégico entre o laboratório e quem toma decisão na ponta (médicos, enfermeiros, equipe de controle de infecção).

Na prática, ele:

  • Interpreta culturas e antibiogramas, ajudando a diferenciar colonização de infecção;

  • Monitora tendências de resistência bacteriana, apontando necessidade de revisão de protocolos;

  • Garante o cumprimento de POP de biossegurança, coleta e processamento;

  • Auxilia em investigações de surtos, discutindo perfis microbiológicos com a CCIH;

  • Contribui para educação continuada de equipe sobre pedidos e interpretação de exames.

Em muitos serviços, a agilidade e a segurança na condução de uma infecção dependem diretamente de como o biomédico organiza, valida e comunica os resultados.

13. Por que biossegurança é tão importante no laboratório de análises clínicas?

As boas práticas de biossegurança não são apenas “detalhes operacionais”: elas são a barreira invisível que impede que o laboratório vire origem de infecção cruzada.

Entre os pilares da biossegurança no laboratório:

  • Uso correto e consistente de EPIs (luvas, avental, máscara, proteção facial);

  • Desinfecção de bancadas e equipamentos com produtos adequados;

  • Segregação correta de resíduos biológicos;

  • Uso de capelas de fluxo laminar para manipulação de materiais potencialmente infectantes;

  • Treinamentos frequentes e checklists de rotina.

Quando essas práticas são negligenciadas, aumenta o risco de:

  • Contaminação de amostras;

  • Falsos resultados;

  • Infecção de profissionais;

  • Infecção cruzada entre pacientes, a partir de superfícies ou equipamentos.

14. Que tipos de falhas em biossegurança mais favorecem infecção cruzada?

Entre os erros mais comuns que abrem espaço para infecção cruzada estão:

  • Higienização de mãos insuficiente (antes e depois de tocar no paciente, nas amostras ou nos equipamentos);

  • Reaproveitamento ou desinfecção inadequada de termômetros, oxímetros, manguitos de pressão, sondas;

  • Coleta e manipulação de amostras sem EPIs adequados;

  • Transporte de amostras em recipientes inadequados ou sem tampa;

  • Armazenamento de materiais limpos e contaminados no mesmo espaço;

  • Falhas na limpeza terminal de quartos com pacientes colonizados ou infectados.

O laboratório, além de cumprir seus próprios POPs, pode ser parceiro da CCIH na educação permanente e na produção de materiais de orientação para as equipes.

15. Quais são os principais exames laboratoriais usados no diagnóstico de infecções?

Os exames variam de acordo com o tipo de infecção e a suspeita clínica, mas alguns aparecem em praticamente todos os algoritmos:

  • Hemograma completo

    • Avalia leucócitos, desvio à esquerda, anemia, plaquetas.

  • Proteína C Reativa (PCR) e Procalcitonina

    • Ajudam a diferenciar infecções bacterianas de virais e monitorar resposta ao tratamento.

  • Culturas (urocultura, hemocultura, coprocultura, secreções)

    • Identificam o agente etiológico.

  • Antibiograma

    • Define o melhor antibiótico e evita uso desnecessário ou ineficaz.

  • PCR molecular, RT-PCR e testes rápidos

    • Detectam DNA, RNA ou antígenos de vírus e bactérias em minutos, com alta sensibilidade.

Essas ferramentas permitem que o tratamento seja mais direcionado e menos empírico, ajudando a conter resistência e a reduzir tempo de internação.

16. Quais marcadores laboratoriais ajudam a diferenciar infecção bacteriana de viral?

Embora nenhum exame substitua a avaliação clínica, alguns marcadores são úteis:

  • PCR (Proteína C Reativa) – tende a subir mais em infecções bacterianas, mas também aumenta em alguns quadros virais e inflamatórios;

  • Procalcitonina – mais específica para infecção bacteriana, costuma permanecer baixa em viroses simples;

  • Hemograma – leucocitose com desvio à esquerda sugere processo bacteriano, enquanto linfocitose pode estar ligada a infecções virais (há várias exceções);

  • Painéis moleculares (PCR multiplex) – identificam diretamente o agente, acelerando o diagnóstico.

A combinação desses dados com o quadro clínico e as culturas é o que permite decidir se vale a pena iniciar, manter ou suspender antibiótico.

17. Como as análises clínicas participam da investigação de surtos em hospitais e laboratórios?

Quando há suspeita de surto (vários casos em pouco tempo, com quadro semelhante), o laboratório é chamado para:

  1. Confirmar o agente etiológico – por cultura, sorologia, PCR;

  2. Comparar perfis de sensibilidade – isolados com o mesmo antibiograma são fortes suspeitos de mesma origem;

  3. Em alguns centros, encaminhar amostras para tipagem molecular (PFGE, MLST, WGS) para confirmar relação clonal;

  4. Ajudar a mapear pontos críticos de contaminação (mesma unidade, mesmo procedimento, mesmo equipamento);

  5. Monitorar se as medidas de controle adotadas (troca de antibiótico, isolamento, reforço de higiene) estão surtindo efeito nos resultados.

Em resumo, a microbiologia clínica funciona como o “GPS” da CCIH ao longo de todo o processo.

18. Como as análises clínicas ajudam a prevenir surtos e infecções futuras?

O laboratório não atua só no “apagar incêndio” — ele também constrói a prevenção:

  • Atualizando perfis de resistência e alertando para novas cepas;

  • Fornecendo dados para criação de protocolos de antibiótico-terapia;

  • Apoiando a vigilância epidemiológica interna (hospital) e externa (rede municipal/estadual);

  • Sugerindo melhorias em coleta, transporte e armazenamento de amostras;

  • Participando da formação de profissionais em temas como infecção cruzada, fluxo de materiais e higienização.

Cada resultado bem interpretado é uma oportunidade de evitar que a infecção se espalhe.

Autor: Ariéu Azevedo Moraes - Biomédico e Fundador da Pipeta e Pesquisa
Nossa Missão: Descomplicar as Análises Clínicas

Referências

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