Exame de Proteínas Totais e Frações: Albumina e Globulina

Entenda o exame de proteínas totais e frações (albumina e globulinas), como interpretar a relação A/G, em quais doenças ele se altera e qual o papel do laboratório na correlação com função hepática, renal, inflamação e estado nutricional.

BIOQUÍMICA

Ariéu Azevedo Moraes

3/10/20257 min ler

estrutura de proteínas carregadoras sanguíneas
estrutura de proteínas carregadoras sanguíneas

Exame de Proteínas Totais e Frações: Albumina e Globulina no Laboratório Clínico

Em um plantão de rotina, chega ao laboratório o exame de um paciente com edema importante em membros inferiores, queixa de cansaço e histórico de consumo crônico de álcool. No laudo, um dado chama a atenção: proteínas totais diminuídas, com hipoalbuminemia significativa e globulinas discretamente aumentadas. Antes mesmo de olhar os demais exames, o profissional de análises clínicas já sabe: há ali uma pista importante sobre fígado, rim, inflamação e estado nutricional.

É exatamente isso que o exame de proteínas totais e frações oferece: um panorama global do “estoque proteico” circulante, ajudando a conectar saúde hepática, função renal, resposta inflamatória, imunidade e nutrição em um único painel.

Neste artigo, vamos revisar de forma prática:

  • O que são proteínas totais e frações;

  • O papel da albumina e das globulinas;

  • Como interpretar a relação A/G;

  • Em quais situações clínicas o exame ganha destaque;

  • Como correlacionar com outras provas laboratoriais.

O que são proteínas totais e frações?

O exame de proteínas totais e frações avalia a soma das proteínas do soro, principalmente albumina e globulinas. Ele ajuda a investigar função hepática, perdas renais, inflamação, imunidade e estado nutricional, especialmente por meio da relação albumina/globulina (A/G).

Quando falamos em proteínas totais no soro, estamos nos referindo à soma de praticamente todas as proteínas circulantes, com destaque para duas grandes “famílias”:

  • Albumina

  • Globulinas (que incluem imunoglobulinas e várias proteínas de transporte)

Em valores de referência usuais em adultos, as proteínas totais giram em torno de 6,0 a 8,3 g/dL, variando de acordo com o método, o laboratório e o perfil do paciente. Desvios para mais ou para menos quase nunca vêm sozinhos: eles costumam refletir doenças hepáticas, renais, inflamatórias, neoplásicas ou estados de desnutrição/desidratação.

Para o laboratório clínico, olhar apenas o valor de proteínas totais não basta. É fundamental observar como esse total se distribui entre albumina e globulinas, bem como a relação A/G (albumina/globulina).

Albumina: muito além do “número baixo no laudo”

A albumina geralmente responde pela maior parte das proteínas séricas. Ela é produzida pelo fígado e desempenha funções que vão muito além do que o valor numérico sugere:

  • Ajuda a manter a pressão oncótica, evitando que o líquido extravase dos vasos para os tecidos (edema, ascite);

  • Atua como proteína de transporte para hormônios, ácidos graxos, bilirrubina, cálcio e diversos fármacos;

  • Participa do equilíbrio ácido-base e da distribuição de fluidos entre os compartimentos.

Em adultos, valores de referência costumam ficar em torno de 3,5 a 5,0 g/dL, com variações conforme o método. Na prática, a hipoalbuminemia é um dos achados mais frequentes e pode estar relacionada a:

  • Doenças hepáticas crônicas (redução da síntese);

  • Síndrome nefrótica (perda urinária de proteínas);

  • Desnutrição e anorexia;

  • Processos inflamatórios crônicos, em que a albumina se comporta como proteína de fase aguda negativa;

  • Queimaduras extensas e perdas protéicas aumentadas.

Já níveis falsamente elevados podem ocorrer em desidratação, quando há concentração relativa do soro.

Globulinas: imunidade, inflamação e transporte

As globulinas formam um grupo heterogêneo de proteínas que inclui:

  • Imunoglobulinas (IgG, IgA, IgM, IgE, IgD) – anticorpos fundamentais na resposta imune;

  • Proteínas de transporte (como transferrina, ceruloplasmina, entre outras);

  • Componentes do sistema complemento;

  • Diversas proteínas inflamatórias.

Os valores de globulinas geralmente variam em torno de 2,3 a 3,5 g/dL, dependendo do laboratório. Na rotina, costumamos observar dois padrões principais:

  • Aumento policlonal de globulinas

    • Comum em doenças inflamatórias crônicas, doenças autoimunes, infecções crônicas (hepatites, tuberculose), doenças hepáticas avançadas.

  • Aumento monoclonal

    • Sugere proliferação clonal de plasmócitos, como em gamopatias monoclonais (mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenström).

    • Nesses casos, a eletroforese de proteínas séricas (e, se necessário, imunofixação) é o próximo passo.

A queda de globulinas pode ocorrer em imunodeficiências, uso prolongado de imunossupressores ou em algumas perdas proteicas importantes.

Relação Albumina/Globulina (A/G): um pequeno número com grande informação

A relação A/G é obtida dividindo-se o valor da albumina pela soma das globulinas. Em condições normais, a albumina tende a ser igual ou discretamente superior às globulinas, resultando em relação A/G maior ou próxima de 1.
Alguns padrões clássicos:

  • Relação A/G diminuída

    • Redução da albumina com aumento relativo de globulinas.

    • Observada em doenças hepáticas crônicas, processos inflamatórios, doenças autoimunes, gamopatias policlonais.

  • Relação A/G muito baixa ou invertida

    • Pode aparecer em mieloma múltiplo e outras gamopatias monoclonais, nas quais há produção excessiva de uma determinada globulina.

  • Relação A/G aumentada

    • Situações com queda de globulinas, como algumas imunodeficiências ou perdas específicas, podem elevar essa relação.

Na prática, esse índice não fecha diagnóstico sozinho, mas funciona como um “sinalizador” para direcionar a investigação: hepatopatia? Doença inflamatória crônica? Suspeita de neoplasia hematológica?

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Quando o exame de proteínas totais e frações deve ser solicitado?

Na rotina da biomedicina e das análises clínicas, esse exame aparece em diversos contextos:

  • Avaliação de doenças hepáticas

    • Cirrose, hepatites crônicas, esteato-hepatite.

    • Complementa transaminases, bilirrubinas, tempo de protrombina, fosfatase alcalina e gama-GT.

  • Investigação de síndrome nefrótica e doenças renais

    • Perda de albumina na urina, edema importante, alteração de creatinina e ureia.

  • Monitoramento do estado nutricional

    • Em pacientes com desnutrição, caquexia, doenças crônicas ou em UTI.

  • Avaliação de doenças inflamatórias e autoimunes

    • Aumento de globulinas, correlação com PCR, VHS e autoanticorpos.

  • Suspeita de gamopatias monoclonais

    • Alterações persistentes, sobretudo com inversão de A/G e sintomas compatíveis (dor óssea, anemia, infecções recorrentes).

  • Acompanhamento de pacientes oncológicos

    • Avaliando impacto de doença de base e do tratamento sobre o estado geral.

Como o exame é realizado e quais cuidados pré-analíticos importar

O exame é feito por meio de amostra de sangue venoso, geralmente sem necessidade de preparo complexo. Alguns pontos importantes:

  • Em muitos serviços, recomenda-se jejum de 8 horas, principalmente quando o exame é solicitado junto com painel bioquímico;

  • A amostra deve ser colhida em tubo adequado (soro) e processada conforme o protocolo do laboratório;

  • Hemólise intensa, lipemia acentuada ou erro de identificação podem interferir na mensuração ou exigir nova coleta;

  • Em casos de resultado inesperado, vale correlacionar com histórico clínico, uso de medicamentos, condições de hidratação e outros exames.

Do ponto de vista do biomédico, é fundamental registrar e comunicar achados inconsistentes com o quadro clínico, contribuindo para evitar interpretações equivocadas.

Principais padrões de alteração e sua interpretação

1. Hipoproteinemia (proteínas totais baixas)

Algumas causas frequentes:

  • Doenças hepáticas graves – redução da síntese, especialmente de albumina;

  • Síndrome nefrótica – perda urinária de proteínas;

  • Desnutrição proteico-calórica;

  • Enteropatias perdedoras de proteínas;

  • Estados inflamatórios prolongados, com albumina reduzida como proteína de fase aguda negativa.

Geralmente vem acompanhada de hipoalbuminemia e, em muitos casos, edema.

2. Hiperproteinemia (proteínas totais elevadas)

Pode estar associada a:

  • Desidratação, com concentração do volume plasmático;

  • Doenças inflamatórias crônicas, com aumento policlonal de globulinas;

  • Gamopatias monoclonais (mieloma múltiplo, macroglobulinemias), quando há aumento acentuado de uma fração específica.

Nesses casos, a próxima etapa costuma ser uma eletroforese de proteínas séricas.

3. Hipoalbuminemia com globulinas normais ou elevadas

Padrão clássico de:

  • Doença hepática crônica;

  • Síndrome nefrótica;

  • Inflamação crônica (albumina baixa, globulinas aumentadas).

4. Globulinas elevadas

Sugerem:

  • Infecções crônicas;

  • Doenças autoimunes;

  • Doenças hepáticas avançadas;

  • Doenças linfoproliferativas (quando o aumento é monoclonal).

O papel do laboratório e do biomédico na prática

Mais do que liberar um número, o laboratório de análises clínicas é chamado a:

  • Checar coerência entre proteínas totais, albumina, globulinas e relação A/G;

  • Correlacionar com outros exames: função hepática, renal, provas inflamatórias, hemograma;

  • Sugerir, quando pertinente, avaliações complementares (como eletroforese de proteínas séricas);

  • Registrar observações técnicas no laudo quando o padrão encontrado exigir atenção;

  • Apoiar equipes clínicas na interpretação, especialmente em cenários complexos ou crônicos.

Na prática, proteínas totais e frações funcionam como um “termômetro bioquímico” da condição global do paciente — e, quando bem interpretadas, antecipam problemas que ainda não se manifestaram de forma evidente.

Conclusão

O exame de proteínas totais e frações (albumina e globulinas) é simples, acessível e extremamente útil na rotina das análises clínicas. Ele integra, em um único painel, informações sobre síntese hepática, perdas renais ou intestinais, inflamação, imunidade e estado nutricional.

Para o profissional de laboratório, ir além do valor numérico e olhar a distribuição das frações e a relação A/G é um diferencial na prática. Já para o paciente e para a equipe assistente, esse exame ajuda a direcionar investigações, monitorar tratamentos e compor uma visão mais completa da saúde global.

Por trás de cada resultado de proteínas totais e frações, existe a chance de detectar precocemente doenças silenciosas, ajustar condutas e fortalecer a ponte entre o dado laboratorial e a decisão clínica.

✍️ Texto escrito por Ariéu Azevedo Moraes, Biomédico e fundador da Pipeta e Pesquisa.
💚 Aqui, descomplicamos as análises clínicas e valorizamos o papel do laboratório na construção de uma saúde mais precisa, humana e baseada em evidências.

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