Ferritina Alta em Infecções Virais: Inocente, Infecciosa ou Inflamatória?

Descubra o que significa ter ferritina alta durante infecções virais como dengue e COVID-19. Entenda a diferença entre sobrecarga de ferro e resposta inflamatória, com interpretação laboratorial.

HEMATOLOGIABIOQUÍMICA

Ariéu Azevedo Moraes

9/28/20255 min ler

Ilustação de Virús com tubo de ensaio
Ilustação de Virús com tubo de ensaio

Ferritina Alta em Infecções Virais: Inocente, Infecciosa ou Inflamatória?

Quando a Ferritina Sobe, o Corpo Grita Silenciosamente

Maria chegou à emergência com febre alta, dores no corpo e exames apontando dengue. O hemograma chamou atenção, mas foi a ferritina que surpreendeu: acima de 1.200 ng/mL. Ela não tinha histórico de hemocromatose, suplementação ou doenças hepáticas.

Por que a ferritina estava tão alta?
Seria excesso de ferro?
Ou uma pista silenciosa da inflamação que se instalava em seu corpo?

Esse cenário é comum e exige um olhar clínico-laboratorial apurado. Vamos entender juntos.

O Que É Ferritina?

A ferritina é uma proteína intracelular que armazena ferro de forma solúvel e segura. Em situações normais:

  • Reflete as reservas de ferro do organismo

  • É produzida principalmente no fígado, baço e medula óssea

  • Em pequenas quantidades, circula no sangue (ferritina sérica)

Mas ela não vive só de ferro: a ferritina também é uma proteína de fase aguda, ou seja, aumenta na presença de inflamações.

A ferritina elevada pode indicar tanto acúmulo de ferro quanto inflamação. Em infecções virais como COVID-19 e dengue, o aumento geralmente reflete uma resposta inflamatória do organismo, e não necessariamente sobrecarga de ferro. A interpretação exige correlação clínica e laboratorial.

Valores de Referência

  • Homens adultos: 30 – 300 ng/mL

  • Mulheres adultas: 10 – 150 ng/mL

  • Crianças: 7 – 140 ng/mL

  • Gestantes (3º tri): 10 – 85 ng/mL

⚠️ Esses valores podem variar de acordo com o método e o laboratório.

Ferritina Alta em Infecções: Inimigo ou Sentinela?

Durante infecções virais — como COVID-19, dengue, chikungunya ou influenza — o organismo ativa mecanismos inflamatórios para combater o patógeno.

As citocinas inflamatórias, como a IL-6, estimulam o fígado a produzir mais ferritina.

📌 Resultado: mesmo sem excesso de ferro, a ferritina sobe como resposta inflamatória. E quanto mais grave a infecção, maior tende a ser essa elevação.

Ferritina vs Sobrecarga de Ferro: Como Diferenciar?

Nem toda ferritina alta indica ferro em excesso.

O diferencial deve ser feito com um painel complementar:

  • Ferro sérico

  • Transferrina ou TIBC

  • Índice de Saturação da Transferrina

  • PCR e VHS

Na sobrecarga de ferro: ferro e saturação da transferrina estão altos, PCR normal.
Na inflamação: ferro normal ou baixo, saturação reduzida, PCR e VHS elevados.

Ferritina na COVID-19: Um Termômetro da Tempestade

Durante a pandemia de COVID-19, inúmeros estudos demonstraram a forte correlação entre níveis elevados de ferritina e quadros graves da doença. Em pacientes hospitalizados, não era raro encontrar valores acima de 1.000 ou até 2.000 ng/mL, sinalizando inflamação sistêmica desregulada.

Esse aumento não indicava apenas alterações metabólicas, mas servia como um verdadeiro “termômetro” da tempestade de citocinas, ajudando médicos a identificar quem tinha maior risco de complicações e necessidade de internação intensiva. Assim, a ferritina deixou de ser apenas um marcador de reserva de ferro para se tornar um aliado na estratificação de risco clínico durante a pandemia.

🧾 Referência: NIH - COVID-19 Treatment Guidelines

E na Dengue?

Na dengue, a ferritina também pode atingir níveis muito altos, especialmente nas formas graves.

Estudos mostram que valores acima de 1.000 ng/mL estão relacionados a maior risco de choque, lesão hepática e necessidade de internação em UTI. Assim como na COVID-19, ela funciona como um marcador de gravidade, ajudando a equipe médica a decidir quando intensificar o monitoramento e suporte clínico.

🧾 Referência: Scielo - Ferritina sérica em pacientes com dengue grave

Ferritina e a Síndrome Hemofagocítica (SHF)

Quando a ferritina ultrapassa 3.000 a 10.000 ng/mL, acende-se um alerta para a síndrome hemofagocítica (SHF), uma condição rara e grave caracterizada pela hiperativação de macrófagos e linfócitos.

Os sinais que chamam a atenção são pancitopenia, hepatoesplenomegalia e disfunção orgânica associada. A ferritina, nesses casos, funciona como um marcador indireto do colapso inflamatório do organismo.

🧾 Referência: HScore - Diagnóstico de SHF

Curiosidades Sobre a Ferritina

A ferritina guarda histórias interessantes que mostram sua relevância na medicina. Descoberta em 1937, é considerada uma das proteínas mais fascinantes por sua capacidade de armazenar ferro: cada molécula pode concentrar até 4.500 átomos desse elemento vital. Outro ponto curioso é que, embora relacionada às reservas de ferro, ela pode se elevar mesmo em situações sem anemia, confundindo interpretações apressadas.

Além disso, ganhou destaque como marcador em anemias de doença crônica, funcionando como uma espécie de “estoque bloqueado”, em que o ferro está presente no organismo, mas não disponível para ser utilizado adequadamente.

Tecnologias de Dosagem

  • Quimioluminescência (CLIA): mais usada em laboratórios automatizados.

  • ELISA: comum em pesquisas.

  • Nephelometria: mede turbidez da reação antígeno-anticorpo.

Cada técnica tem sensibilidades distintas — reforçando que a interpretação nunca é isolada.

Quando Solicitar?

  • Suspeita de anemia ferropriva

  • Avaliação de infecções virais graves

  • Monitoramento de doenças inflamatórias crônicas

  • Investigação de sobrecarga de ferro

  • Pacientes com pancitopenia ou hepatopatias

No Contexto Laboratorial: Casos Práticos

Na prática clínica, a ferritina pode contar histórias muito diferentes, dependendo do contexto em que aparece. Imagine um paciente com COVID-19 leve apresentando ferritina em torno de 400 ng/mL: nesse caso, o achado não traz grandes preocupações, apenas reforça a necessidade de acompanhamento. Já em um paciente com COVID-19 moderada, valores próximos de 1.200 ng/mL acendem o alerta para risco inflamatório mais intenso e necessidade de monitoramento hospitalar.

Em outra situação, um paciente com anemia microcítica e ferritina de apenas 9 ng/mL provavelmente sofre de deficiência de ferro, sendo esse o principal diagnóstico a ser considerado. Por outro lado, quando a ferritina ultrapassa 2.500 ng/mL em um paciente com inflamação evidente e saturação de transferrina normal, é preciso pensar em condições mais graves, como inflamação sistêmica exacerbada ou até síndrome hemofagocítica, que exigem investigação detalhada.

Ferritina Não Deve Ser Interpretada Isoladamente

Ferritina é multifacetada:

  • Indica estoque de ferro

  • Funciona como marcador inflamatório

  • Pode refletir hepatopatias

  • É marcador indireto em anemias de doença crônica

A chave é correlacionar resultado com clínica e exames complementares.

Leitura Rápida em Exames

  • Ferritina ↑ + ferro normal/baixo + PCR ↑ = Inflamação

  • Ferritina ↑ + ferro ↑ + TIBC ↓ = Sobrecarga

  • Ferritina baixa = Deficiência de ferro

  • Ferritina > 3.000 + sintomas = Investigar SHF

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Conclusão

A ferritina é muito mais do que um marcador de ferro. Em infecções virais, torna-se um farol inflamatório, capaz de orientar decisões clínicas críticas.

Saber interpretá-la corretamente diferencia o olhar de quem apenas lê números do olhar de quem transforma dados laboratoriais em condutas que salvam vidas.

Referências

Ariéu Azevedo Moraes
Biomédico | Fundador da Pipeta e Pesquisa
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