Vinho Tinto e Enzimas Hepáticas: Como o Álcool Interfere nos Exames de Função do Fígado
O consumo de vinho tinto pode elevar temporariamente enzimas hepáticas como AST e GGT, confundindo diagnósticos laboratoriais. Entenda como o álcool e os polifenóis influenciam o fígado e a interpretação dos exames.
ATUALIDADESBIOQUÍMICA
Ariéu Azevedo Moraes
11/17/20255 min ler


🍷 Vinho Tinto e Enzimas Hepáticas: O Paradoxo do Fígado nos Exames Laboratoriais
O vinho tinto contém álcool e compostos antioxidantes como o resveratrol, que podem alterar a atividade das enzimas hepáticas (AST, ALT e GGT), simulando lesão hepática ou mascarando inflamação real.
O vinho e o paradoxo da saúde
Poucos alimentos carregam tanta dualidade quanto o vinho tinto.
É celebrado por seus benefícios cardiovasculares e antioxidantes, mas também reconhecido como fonte de etanol, uma substância hepatotóxica.
No laboratório, essa contradição se traduz em algo muito concreto: alterações nas enzimas hepáticas, especialmente quando o consumo ocorre próximo à coleta.
O biomédico atento sabe que um exame de função hepática alterado não significa necessariamente doença — às vezes, significa apenas um brinde na noite anterior.
Etanol e fígado: o metabolismo por trás da taça
O fígado é o principal responsável por metabolizar o álcool.
Após a ingestão, o etanol é absorvido rapidamente pelo trato gastrointestinal, atingindo o pico no sangue em cerca de 30 a 90 minutos.
No fígado, ele é oxidado por duas enzimas principais:
Álcool desidrogenase (ADH) → converte etanol em acetaldeído;
Aldeído desidrogenase (ALDH) → transforma acetaldeído em acetato, que será metabolizado em energia.
Esse processo gera radicais livres e aumento transitório de enzimas hepáticas, como:
AST (aspartato aminotransferase)
ALT (alanina aminotransferase)
GGT (gama-glutamiltransferase)
Essas enzimas são biomarcadores sensíveis de sofrimento hepatocelular e indução enzimática — mas também reagem ao consumo agudo de álcool, mesmo em pessoas saudáveis.
O efeito do vinho nos exames laboratoriais
Mesmo pequenas quantidades de vinho (1 a 2 taças) podem alterar os resultados dos exames de função hepática por 12 a 24 horas após o consumo.
As alterações mais comuns incluem:
AST e ALT ligeiramente elevadas (até 1,5x o valor de referência);
GGT discretamente aumentada, especialmente em consumo regular;
Bilirrubina normal ou levemente aumentada;
Triglicerídeos altos, em casos de consumo prolongado.
💡 Ou seja, o vinho pode induzir um padrão bioquímico que se parece com o de uma esteatose leve — mesmo em quem tem fígado saudável.
O papel do resveratrol: o outro lado da história
O resveratrol, polifenol presente nas cascas das uvas tintas, tem efeito antioxidante e protetor hepático.
Ele reduz a oxidação lipídica e melhora a sensibilidade à insulina.
Por isso, o vinho também aparece em estudos como um possível aliado do fígado em doses moderadas (até 1 taça por dia).
Mas o laboratório não mede apenas antioxidantes — ele mede reações químicas.
E o etanol, mesmo em pequenas quantidades, é capaz de alterar parâmetros bioquímicos de forma mensurável.
Assim, a presença de compostos benéficos não anula a interferência laboratorial.
Interferências mais observadas no laboratório
O impacto do vinho sobre os exames laboratoriais depende de três fatores principais:
Quantidade ingerida: quanto maior o volume de etanol, maior a indução enzimática.
Tempo entre o consumo e a coleta: o efeito agudo dura cerca de 12–24 horas.
Frequência de consumo: o uso crônico modifica o padrão hepático e lipídico.
Os principais exames afetados são:
AST (TGO): eleva-se rapidamente após consumo; retorna ao normal em 1–2 dias.
ALT (TGP): tende a subir com o uso crônico, indicando dano hepatocelular leve.
GGT: é o marcador mais sensível à indução alcoólica, especialmente em consumidores habituais.
Triglicerídeos: aumentam por interferência metabólica e hepática.
HDL: pode elevar-se discretamente pelo efeito do resveratrol.
💬 O padrão típico de “bebida recente” é AST e GGT levemente aumentadas, com ALT normal ou pouco alterada.
Quando o consumo leve confunde o diagnóstico
O consumo moderado de vinho, considerado saudável em muitos contextos, pode causar falsos-positivos em exames de rotina.
Por exemplo:
Em check-ups empresariais, pode sugerir “fígado gorduroso leve” sem que o paciente tenha esteatose real.
Em monitoramentos de uso de medicamentos hepatotóxicos, pode levar à suspeita injustificada de toxicidade.
Em painéis ocupacionais, pode resultar em afastamentos desnecessários.
O biomédico e o clínico precisam avaliar o contexto antes de interpretar resultados isolados.
O preparo ideal antes da coleta
Para minimizar interferências, o paciente deve ser orientado a:
Evitar bebidas alcoólicas (inclusive vinho) por 48 a 72 horas antes da coleta;
Manter alimentação leve e evitar jejum prolongado;
Informar o consumo recente de álcool no questionário de triagem;
Evitar exercícios físicos intensos antes da coleta (também elevam AST e ALT).
Essas orientações simples evitam resultados falsamente alterados e mantêm a confiabilidade analítica do exame.
O biomédico e a leitura além do laudo
O olhar do biomédico vai além dos números.
Ao analisar um perfil enzimático hepático alterado, é preciso investigar:
O histórico alimentar e social do paciente;
O horário da coleta em relação ao consumo de álcool;
O uso de medicações, fitoterápicos ou suplementos;
E, se necessário, sugerir repetição do exame com preparo adequado.
Essa abordagem evita diagnósticos precipitados e fortalece a confiança entre o laboratório e o clínico.
Vinho, fígado e a linha tênue entre benefício e risco
O vinho é o exemplo perfeito do equilíbrio bioquímico:
Em pequenas doses, melhora o perfil lipídico e atua como antioxidante;
Em excesso ou próximo da coleta, altera enzimas hepáticas e induz erro diagnóstico.
Do ponto de vista das análises clínicas, não há contradição — há contexto.
O mesmo composto que protege o coração pode confundir o fígado se o tempo entre o brinde e o exame for curto.
Resumo: o laboratório também lê entre as linhas da taça
Para o biomédico, cada enzima conta uma história.
Quando o resultado mostra AST e GGT elevadas, o desafio é distinguir se o fígado está reagindo a uma doença, a um medicamento — ou simplesmente a um cálice de vinho.
O segredo está na interpretação integrada, que considera o biológico, o clínico e o comportamental.
E no fim, o vinho tinto continua sendo um símbolo: de celebração, de cuidado e — no laboratório — de como o natural pode alterar o resultado.
✍️ Autor: Ariéu Azevedo Moraes
🔬 Biomédico e Fundador da Pipeta e Pesquisa
💡 Missão: Descomplicar as Análises Clínicas
Referências
National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism – Alcohol and the Liver
PubMed – Effects of Moderate Wine Consumption on Liver Enzymes
Revista Brasileira de Análises Clínicas – Interferências Hepáticas em Exames Laboratoriais
Fiocruz – Efeitos do Álcool no Organismo
ANVISA – Orientações sobre Alimentos e Bebidas que Interferem em Exames
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