Cafeína, energéticos e cortisol: como afetam seus exames
O consumo de café e energéticos pode elevar temporariamente os níveis de cortisol e interferir em exames hormonais. Entenda como a cafeína impacta o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e por que o jejum adequado é essencial antes da coleta.
HORMÔNIOS E VITAMINAS
Ariéu Azevedo Moraes
10/24/20255 min ler


☕ Cafeína e Cortisol: O Estresse Líquido que Pode Alterar Seus Exames Laboratoriais
Quando o café fala mais alto que o laboratório
O café é, para muitos, a energia da manhã, mas para o laboratório, pode ser um interferente bioquímico poderoso.
Consumido globalmente, o café é a principal fonte de cafeína, uma substância psicoativa que age diretamente no sistema nervoso central.
Seu efeito é sentido poucos minutos após o consumo: aumento da frequência cardíaca, melhora da concentração e, biologicamente, liberação de hormônios do estresse, como adrenalina e cortisol.
Esse mecanismo é o mesmo que faz a cafeína interferir em exames hormonais, glicêmicos e metabólicos, especialmente quando o paciente não respeita o jejum antes da coleta.
O resultado? Valores de cortisol falsamente elevados, glicemia alterada e diagnósticos que podem confundir o clínico e o biomédico.
A rota da cafeína no organismo
Após a ingestão, a cafeína é rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal e atinge o pico plasmático em cerca de 30 a 60 minutos.
Ela atua como antagonista da adenosina, um neurotransmissor que promove relaxamento e sonolência.
Ao bloquear os receptores de adenosina, a cafeína estimula a liberação de catecolaminas, como adrenalina e noradrenalina, e ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela secreção do cortisol.
Ou seja: ao tomar café antes da coleta, o corpo acredita estar em estado de alerta e o cortisol responde a esse falso “estresse químico”.
O que é o cortisol e por que ele importa
O cortisol é conhecido como o “hormônio do estresse”, mas na verdade ele é essencial à vida.
Produzido pelas glândulas suprarrenais, ele participa do controle do metabolismo da glicose, da pressão arterial e da resposta imunológica.
Seus níveis seguem um ritmo circadiano:
Pico entre 6h e 8h da manhã,
Redução progressiva ao longo do dia,
Mínimo entre 22h e 24h.
Por isso, os exames laboratoriais de cortisol devem ser coletados preferencialmente entre 7h e 9h, em repouso e jejum condições que garantem o valor fisiológico verdadeiro.
A cafeína estimula a liberação de cortisol e adrenalina, podendo alterar exames hormonais e mascarar o diagnóstico de distúrbios endócrinos e metabólicos.
Como a cafeína altera o exame de cortisol
O consumo de café, chá, energéticos ou pré-treinos antes da coleta estimula o eixo HHA, levando a uma elevação temporária do cortisol plasmático.
Esse aumento pode variar de 15% a 30% em relação ao valor basal, dependendo da dose e da sensibilidade individual.
Em pacientes sob investigação de síndrome de Cushing, fadiga adrenal, distúrbios do sono ou estresse crônico, esse efeito pode mascarar resultados, simulando hipercortisolismo leve ou resposta anormal ao estresse.
Estudos mostram:
Uma dose de 200 mg de cafeína (aproximadamente 2 xícaras de café) pode elevar o cortisol sérico em até 30% por 1 a 2 horas;
O consumo diário e crônico tende a diminuir essa resposta aguda, mas não a elimina completamente;
Energéticos com cafeína e taurina têm efeito prolongado, especialmente em coletas realizadas no final da manhã.
Outros exames afetados pela cafeína
Além do cortisol, a cafeína pode interferir em outros exames laboratoriais:
Glicemia: aumenta temporariamente a liberação de glicose hepática, elevando valores em até 10 mg/dL;
Adrenalina e noradrenalina: apresentam picos artificiais após consumo de café, comprometendo testes de feocromocitoma e paraganglioma;
Ácido lático: pode estar elevado devido à estimulação metabólica;
Testes de estresse ou supressão com dexametasona: podem resultar em respostas atípicas.
Essas interferências reforçam o papel das orientações pré-analíticas no laboratório.
Como o laboratório deve orientar o paciente
As instruções prévias à coleta fazem toda a diferença.
O paciente deve ser orientado a:
Evitar café, chás, energéticos e refrigerantes cafeinados por pelo menos 12 horas antes da coleta de sangue para cortisol;
Não realizar atividade física intensa no mesmo período;
Dormir adequadamente na noite anterior;
Informar se faz uso crônico de cafeína (inclusive em suplementos e termogênicos).
O biomédico deve registrar no sistema de coleta se houve uso de substâncias estimulantes, pois isso ajuda na interpretação posterior dos resultados.
O papel das análises clínicas e da biomedicina
O laboratório não apenas mede o cortisol, ele interpreta o contexto.
Ao avaliar um resultado alterado, o biomédico considera:
O horário da coleta (ritmo circadiano);
O estado emocional e metabólico do paciente;
E possíveis interferências exógenas, como medicamentos, estresse ou alimentos.
Quando o cortisol está elevado, mas o paciente não apresenta sintomas compatíveis, é prudente investigar causas fisiológicas ou induzidas, como a ingestão de cafeína, jejum curto ou privação de sono.
Em alguns casos, repetir o exame com preparo adequado é a única forma de confirmar se a alteração é real.
Cafeína, estresse e rotina moderna
Vivemos em uma época de hiperestimulação.
A cafeína, consumida em excesso e em horários irregulares, mantém o corpo em um estado constante de alerta fisiológico o que impacta não só os exames laboratoriais, mas também o equilíbrio hormonal de longo prazo.
O uso frequente de energéticos e cafés fortes pode gerar um “falso equilíbrio”: o paciente se sente produtivo, mas o organismo interpreta isso como estresse contínuo, elevando o cortisol de forma persistente.
Esse padrão está ligado a fadiga, resistência à insulina, ganho de peso e distúrbios do sono.
Quando o biomédico identifica o estresse no tubo
O exame de cortisol, quando interpretado com o olhar clínico da biomedicina, é mais do que um número.
É um retrato do ritmo fisiológico e emocional do paciente.
Um resultado alterado sem causa aparente convida à reflexão:
“O paciente está realmente doente ou apenas acelerado?”
Reconhecer interferências como o consumo de cafeína é um ato de ciência aplicada à empatia, um lembrete de que o laboratório também pode revelar hábitos, não apenas doenças.
Conclusão: o café explica mais do que desperta
A cafeína é uma substância fascinante, estimula, desperta e move o mundo.
Mas, para o laboratório, ela é também um alerta: um simples café antes da coleta pode mudar todo o diagnóstico.
Quando o cortisol fala alto, é preciso ouvir o contexto.
O biomédico, como tradutor das reações químicas, transforma cada resultado em compreensão, lembrando que o corpo é um sistema inteligente, e que até o café tem voz dentro do tubo.
✍️ Autor: Ariéu Azevedo Moraes, Biomédico e Fundador da Pipeta e Pesquisa
💡 Missão: Descomplicar as Análises Clínicas
Referências
PubMed – Caffeine and Cortisol Response Studies
UpToDate – Factors Affecting Cortisol Measurement
Fiocruz – Efeitos Fisiológicos da Cafeína
Revista Brasileira de Análises Clínicas – Interferências Alimentares em Exames Hormonais
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Cortisol e Estresse
Café com Leite... hummm, mas não desse aqui.

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