Hiponatremia na Pneumonia (SIADH): como interpretar o sódio

A pneumonia pode causar hiponatremia por secreção inapropriada do hormônio antidiurético (ADH). Entenda o mecanismo, o papel das análises clínicas e como interpretar o sódio baixo sem perda renal aparente.

BIOQUÍMICA

Ariéu Azevedo Moraes

10/24/20255 min ler

Sódio Baixo em Infecções Pulmonares: Entenda a Síndrome de Secreção Inapropriada de ADH (SIADH)

Quando o pulmão altera o sódio

É comum associarmos sódio baixo (hiponatremia) à perda de líquidos ou disfunção renal.
Mas há situações em que o problema não está no rim e sim no pulmão.
Entre elas, uma das mais clássicas é a Síndrome de Secreção Inapropriada de ADH (SIADH), frequentemente desencadeada por pneumonias bacterianas ou virais, como as causadas por Streptococcus pneumoniae, Legionella pneumophila e vírus influenza.

Nessa condição, o corpo produz e libera ADH em excesso, mesmo sem necessidade fisiológica, resultando em retenção de água livre, diluição do sódio sérico e osmolaridade plasmática baixa.

O papel do ADH e o erro de regulação

O hormônio antidiurético (ADH), também conhecido como vasopressina, é produzido no hipotálamo e liberado pela neuro-hipófise.
Seu papel é simples: manter o equilíbrio hídrico do organismo.

Quando a osmolaridade do plasma aumenta (ou seja, o sangue fica “concentrado”), o ADH age nos túbulos renais, estimulando a reabsorção de água.
O problema é que, em certas doenças, especialmente infecções pulmonares, o corpo interpreta falsamente uma necessidade de reter água, mesmo com sódio e volume normais.

O resultado?
Hiponatremia por diluição.

Pneumonia e SIADH: a conexão

O pulmão inflamado é um potente estímulo para a liberação de ADH.
Acredita-se que citocinas inflamatórias e estímulos de estresse respiratório ativem mecanorreceptores pulmonares e hipotalâmicos, desencadeando a secreção hormonal inadequada.

As infecções mais associadas incluem:

  • Legionella pneumophila (pneumonia do tipo “legionelose”);

  • Streptococcus pneumoniae;

  • Pneumonias virais graves (como influenza e COVID-19);

  • Doenças pulmonares crônicas descompensadas.

Nesses casos, o paciente apresenta sódio baixo, osmolaridade sérica reduzida e urina concentrada, apesar de função renal preservada.

A hiponatremia em infecções pulmonares pode ocorrer pela liberação inadequada de ADH, levando à retenção de água e diluição do sódio sérico mesmo com função renal normal.

Como interpretar o sódio baixo sem perda renal evidente

Ao interpretar o sódio sérico, é importante seguir um raciocínio clínico estruturado.
A hiponatremia pode ser classificada conforme o estado volêmico do paciente:

  1. Hipovolêmica: perda real de sal e água (ex: diarreia, diuréticos).

  2. Hipervolêmica: retenção de água e sódio, mas com excesso de líquido (ex: insuficiência cardíaca, cirrose).

  3. Euvolêmica: sem sinais de perda ou retenção, típica da SIADH.

Na SIADH, o paciente está clinicamente normovolêmico, mas bioquimicamente diluído.

Para interpretar corretamente o sódio baixo em um paciente sem perda renal evidente, é essencial analisar o conjunto dos resultados laboratoriais e o estado clínico geral.
Na SIADH, o quadro costuma ser de hiponatremia com osmolaridade plasmática reduzida, mas sem sinais clínicos de desidratação ou sobrecarga de volume, o paciente está, portanto, euvolêmico.

O sódio sérico geralmente se apresenta abaixo de 135 mEq/L, evidenciando o desequilíbrio hidroeletrolítico. Ao mesmo tempo, a osmolaridade plasmática encontra-se baixa, tipicamente inferior a 275 mOsm/kg, o que indica diluição do sangue pela retenção de água livre mediada pelo ADH.

Quando se avalia a urina, observa-se um padrão oposto: a osmolaridade urinária está elevada, frequentemente acima de 100 mOsm/kg, mostrando que os rins continuam a concentrar a urina, um sinal de que o ADH está agindo de forma indevida.
Da mesma forma, o sódio urinário costuma estar acima de 40 mEq/L, refletindo uma excreção inadequada de sal, mesmo em um organismo que já sofre de hiponatremia.

Por fim, os marcadores de função renal, como ureia e creatinina, permanecem dentro da faixa de normalidade (ou discretamente baixos), confirmando que o problema não é de origem renal, e sim hormonal.

Esse conjunto de achados sódio sérico baixo, osmolaridade plasmática diminuída, urina concentrada e sódio urinário elevado com função renal preservada, forma o perfil bioquímico clássico da Síndrome de Secreção Inapropriada de ADH (SIADH), especialmente quando associada a infecções pulmonares, como pneumonia ou doenças respiratórias virais graves.

Esses resultados ajudam o laboratório a diferenciar uma hiponatremia dilucional (SIADH) de uma hiponatremia por perda renal ou gastrointestinal.

O papel das análises clínicas na investigação

O setor de bioquímica clínica é central na investigação da SIADH.
Alguns dos principais exames solicitados incluem:

  • Sódio e potássio séricos: para confirmar o distúrbio eletrolítico;

  • Osmolaridade plasmática e urinária: para avaliar a concentração de solutos;

  • Sódio urinário: confirma se há reabsorção renal inadequada;

  • Ureia e creatinina: ajudam a descartar insuficiência renal;

  • Hemograma e PCR: indicam o processo infeccioso ativo;

  • Gasometria arterial: pode demonstrar hipoxemia associada à infecção pulmonar.

Importante: a interpretação integrada dos parâmetros é o que distingue a hiponatremia por SIADH de outras causas secundárias.

Sinais clínicos e diagnóstico diferencial

Clinicamente, o paciente com SIADH secundária à pneumonia pode apresentar:

  • Fraqueza, cefaleia e náuseas;

  • Confusão mental leve a moderada;

  • Ausência de sinais de desidratação;

  • Sódio persistentemente baixo sem causa aparente.

A diferenciação com outras condições (como hipotireoidismo, insuficiência adrenal e uso de diuréticos tiazídicos) é essencial.
Por isso, exames complementares como T4 livre, cortisol e ACTH também podem ser solicitados.

O raciocínio bioquímico por trás da SIADH

A SIADH é um excelente exemplo de como o laboratório traduz a fisiologia em números.
O ADH excessivo aumenta a reabsorção de água livre nos túbulos distais, dilui o sódio e reduz a osmolaridade plasmática, mas não altera significativamente o volume extracelular total.
Por isso, o paciente não apresenta edema nem hipotensão significativa.

O raciocínio clínico-laboratorial é fundamental:

Sódio baixo + osmolaridade baixa + urina concentrada = pensar em SIADH.

Como o laboratório apoia o tratamento

Embora o tratamento dependa da causa de base, o acompanhamento laboratorial é indispensável.
O biomédico pode monitorar:

  • Correção gradual do sódio (evitando desmielinização osmótica);

  • Resposta à restrição hídrica;

  • Efeito de antagonistas de ADH (como tolvaptana).

O controle diário do sódio e o acompanhamento da osmolaridade urinária são fundamentais para avaliar a recuperação.

Conclusão: quando o sódio fala pelo pulmão

Em infecções pulmonares, o sódio sérico se torna um marcador silencioso de disfunção hormonal.
Mesmo com rins preservados, a liberação inadequada de ADH distorce o equilíbrio hídrico, levando à hiponatremia dilucional.

Reconhecer esse padrão e compreender os dados laboratoriais faz toda a diferença entre corrigir um número e entender um mecanismo fisiopatológico.

As Análises Clínicas não apenas medem, elas traduzem a linguagem bioquímica da doença.

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