Fibrinogênio: o que é, valores de referência, quando aumenta e como interpretar no laboratório

Entenda o que é o fibrinogênio, por que ele sobe em processos inflamatórios e como sua dosagem influencia a avaliação de risco trombótico, inflamação e doenças cardiovasculares. Aprenda a interpretar valores altos e baixos e veja como esse marcador impacta decisões clínicas e laboratoriais.

HEMATOLOGIAIMUNOLOGIA

Ariéu Azevedo Moraes

11/29/20257 min ler

Fibrinogênio: o marcador que une coagulação, inflamação e risco cardiovascular

O fibrinogênio é uma proteína produzida pelo fígado, essencial para a formação do coágulo. Ele aumenta em infecções, inflamações, traumas, tabagismo e doenças cardiovasculares, e diminui em hepatopatias graves, coagulação intravascular disseminada (CIVD) e uso excessivo na formação de trombos. Sua dosagem é fundamental na avaliação do risco trombótico, resposta inflamatória e investigação de distúrbios da coagulação.

1. Por que falar de fibrinogênio?

Entre todos os marcadores da coagulação, poucos são tão versáteis quanto ele. O fibrinogênio é, ao mesmo tempo:

  • uma proteína de fase aguda, que sobe em processos inflamatórios;

  • um fator essencial da cascata de coagulação (Fator I);

  • um importante preditor de risco cardiovascular, associado a eventos trombóticos;

  • um indicador de consumo em condições graves como a CIVD.

Ou seja: compreender este exame significa transitar pelas áreas de hematologia, inflamação, hemostasia e saúde cardiovascular.
É o tipo de marcador que não pode faltar na rotina de análises clínicas — seja para urgências, acompanhamento de doenças crônicas ou avaliação pré-operatória.

2. O que é o fibrinogênio?

O fibrinogênio é uma glicoproteína plasmática produzida pelo fígado, circulando normalmente entre 200–400 mg/dL (valores dependem do método).

Na cascata de coagulação, ele ocupa uma posição central:

  1. A trombina converte fibrinogênio em fibrina.

  2. A fibrina forma uma rede estável que “amarra” as plaquetas.

  3. Essa rede cria o coágulo definitivo, responsável por estancar o sangramento.

Mas ele não vive apenas no “mundo da coagulação”. Por ser proteína de fase aguda, responde rapidamente à presença de inflamação.

3. Como o fibrinogênio participa da coagulação?

A coagulação é dividida em três etapas:

  1. Iniciação

  2. Amplificação

  3. Propagação

O fibrinogênio entra no final desse processo, mas como protagonista:

  • A trombina cliva o fibrinogênio → formando monômeros de fibrina.

  • Esses monômeros se polimerizam → formando fibrina não estabilizada.

  • O Fator XIIIa fixa essa estrutura → formando a fibrina estabilizada, resistente à lise.

O resultado?
Um coágulo mais firme, capaz de conter sangramentos e iniciar reparo tecidual.

4. Fibrinogênio como proteína de fase aguda

Quando o organismo identifica inflamação, libera citocinas como:

  • IL-6

  • TNF-α

  • IL-1β

Essas moléculas “avisam” ao fígado que é hora de aumentar a produção de proteínas de fase aguda — especialmente PCR, VHS e fibrinogênio.

Por isso, ele é frequentemente elevado em:

  • Infecções bacterianas

  • Inflamações sistêmicas

  • Pós-operatório

  • Trauma

  • Queimaduras

  • Gestação

  • Tabagismo

O aumento do fibrinogênio explica, por exemplo, o VHS elevado — já que as hemácias sedimentam mais rapidamente em um plasma com maior concentração proteica.

5. Valores de referência

Os valores variam por método, mas em geral:

  • Adultos: 200–400 mg/dL

  • Gestantes (3º trimestre): até 600 mg/dL

  • Recém-nascidos: valores menores, ainda em maturação

Métodos usuais:

  • Clauss (funcional) → padrão ouro

  • Imunonefelometria → quantificação antigênica

  • Métodos de coagulação

6. Quando o fibrinogênio aumenta? (Hiperfibrinogenemia)

A elevação geralmente significa processo inflamatório ou estado de hipercoagulabilidade.

Principais causas de fibrinogênio alto:

1. Inflamações agudas e crônicas

  • Infecções bacterianas

  • Pneumonia

  • Doenças autoimunes

  • Artrite reumatoide

O fígado aumenta a síntese como parte da resposta inflamatória.

2. Tabagismo ativo

O cigarro eleva fibrinogênio, aumentandor risco cardiovascular.

3. Gestação e puerpério

Aumenta naturalmente para proteger contra hemorragias no parto.

4. Síndrome metabólica

Obesidade, DM2 e resistência insulínica elevam níveis por inflamação crônica.

5. Risco cardiovascular aumentado

Valores ≥ 400 mg/dL estão associados a risco maior de trombose arterial.

Estudos mostram forte correlação entre fibrinogênio e eventos como:

  • AVC

  • IAM

  • Doença arterial periférica

6. Pós-operatório e trauma

Aumento reativo devido ao dano tecidual.

7. Quando o fibrinogênio diminui? (Hipofibrinogenemia ou Afibrinogenemia)

Entre as principais causas de alterações importantes no fibrinogênio, a Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD) costuma ser uma das primeiras a ser lembrada. Na CIVD, o organismo entra em um estado de ativação exagerada da coagulação, formando múltiplos microcoágulos na circulação. Para sustentar esse processo, há consumo acelerado de fibrinogênio e de outros fatores de coagulação, o que leva à sua queda no plasma. Ao mesmo tempo, observa-se plaquetopenia (plaquetas baixas), elevação do D-dímero – marcador de degradação de fibrina – e prolongamento dos tempos de coagulação, como TP e TTPa. Ou seja, o corpo “gasta” fibrina em um ritmo tão intenso que derruba os níveis de fibrinogênio e desorganiza todo o sistema hemostático.

Outra situação em que o fibrinogênio pode estar reduzido envolve as doenças hepáticas graves. Em quadros como cirrose avançada, hepatites fulminantes ou falência hepática, o fígado perde a capacidade de produzir adequadamente várias proteínas plasmáticas, incluindo os fatores de coagulação. Como o fibrinogênio é sintetizado quase exclusivamente no fígado, a sua concentração tende a cair à medida que a função hepática se deteriora, contribuindo para o aumento do risco de sangramentos.

As hemorragias extensas e os traumas importantes também podem cursar com queda do fibrinogênio. Nesses contextos, há tanto perda sanguínea, com eliminação direta de fibrinogênio, quanto consumo aumentado desse fator na tentativa do organismo de conter o sangramento por meio da formação de coágulos. Se a reposição (endógena ou por meio de hemoderivados) não acompanha essa perda, os níveis plasmáticos caem de forma significativa.

Na síndrome nefrótica, o problema é de outra natureza: a perda de proteínas ocorre principalmente pela urina, devido à lesão da barreira de filtração glomerular. Embora a albumina seja a proteína mais lembrada nesses casos, outras moléculas também podem ser perdidas, e isso inclui, em alguns pacientes, o fibrinogênio. Essa perda contribui para o desequilíbrio hemostático e pode se somar a outros fatores de risco trombótico típicos da síndrome nefrótica.

Por fim, existem as alterações congênitas do fibrinogênio, que são raras, mas de grande impacto clínico. Entre elas, podemos citar a afibrinogenemia (ausência praticamente completa de fibrinogênio), a hipofibrinogenemia (níveis reduzidos) e a disfibrinogenemia (fibrinogênio presente, porém estruturalmente alterado e funcionalmente deficiente). Essas condições geralmente se manifestam com sangramentos importantes desde o nascimento ou na infância, como sangramento de cordão umbilical, equimoses espontâneas, hemorragias após pequenos traumas ou procedimentos cirúrgicos simples. O diagnóstico costuma exigir investigação laboratorial detalhada, muitas vezes com testes específicos de atividade e nível de fibrinogênio, além de estudo genético em alguns casos.

Em resumo, entender por que o fibrinogênio está baixo passa por integrar o resultado do exame com o contexto clínico: desde emergências como a CIVD e traumas graves, passando por doenças hepáticas e renais, até alterações congênitas raras, mas relevantes para o raciocínio diagnóstico e para a conduta.

8. Fibrinogênio, inflamação e risco trombótico: a tríade moderna

O fibrinogênio é um marcador único porque:

  • Sobe na inflamação, intensificando a viscosidade sanguínea;

  • Aumenta agregação plaquetária;

  • Eleva a formação de fibrina;

  • Expande o risco de eventos trombóticos, arteriais e venosos.

Estudos mostram que, para cada aumento de 100 mg/dL, há crescimento significativo de risco de:

  • Trombose venosa profunda

  • Embolia pulmonar

  • Infarto do miocárdio

  • Acidente vascular cerebral

Por isso, muitos cardiologistas e hematologistas utilizam o fibrinogênio como marcador prognóstico.

9. Exames associados que ampliam a interpretação

Para leitura mais precisa:

  • D-dímero → consumo de fibrina

  • Tempo de trombina → sensível ao fibrinogênio funcional

  • TP e TTPa → avaliação de via extrínseca e intrínseca

  • Plaquetas

  • PCR e VHS → inflamação

  • Transaminases → impacto hepático

A interpretação conjunta é obrigatória em quadros suspeitos de CIVD.

10. Como interpretar no laboratório?

Quando analisamos o fibrinogênio em conjunto com outros marcadores, conseguimos enxergar melhor o “cenário” em que o organismo se encontra.

Quando fibrinogênio e PCR estão elevados ao mesmo tempo, isso costuma indicar um quadro de inflamação ativa, seja por infecção, doença inflamatória crônica ou outra condição que esteja estimulando intensamente a resposta inflamatória e a produção de proteínas de fase aguda.

Já a combinação de fibrinogênio baixo, D-dímero alto e plaquetas reduzidas acende um alerta importante para coagulação intravascular disseminada (CIVD). Nessa situação, o organismo forma e consome coágulos de maneira exagerada, o que leva ao consumo de plaquetas e fatores de coagulação, queda do fibrinogênio e aumento do D-dímero pela degradação de fibrina.

Quando encontramos fibrinogênio baixo associado a TTPa prolongado e TP também prolongado, o raciocínio clínico muitas vezes se volta para uma possível falência hepática. Como o fígado é o principal produtor dos fatores de coagulação, sua disfunção compromete a síntese dessas proteínas, prolongando os tempos de coagulação e reduzindo o fibrinogênio circulante.

Por fim, é importante lembrar que fibrinogênio em valores normais ou discretamente elevados em gestantes geralmente faz parte da fisiologia da gravidez. Nesse contexto, o aumento do fibrinogênio está relacionado à adaptação do organismo materno, que se prepara para minimizar riscos de sangramento durante o parto, não significando, por si só, doença ou inflamação.

11. Importância no contexto cirúrgico

Níveis baixos aumentam risco de sangramento intraoperatório.
Valores adequados são fundamentais antes de:

  • Cirurgias extensas

  • Parto cesáreo

  • Procedimentos de alto risco hemorrágico

O uso de crioprecipitado ou fibrinogênio concentrado pode ser necessário.

12. Aplicações práticas no laboratório

Urgências e emergências

Fibrinogênio é fundamental em casos de:

  • Hemorragia

  • Trauma

  • Choque séptico

  • Suspeita de CIVD

Saúde cardiovascular

Pode ser incluído em:

  • Check-up

  • Avaliação de inflamação subclínica

  • Investigação de risco trombótico

Doenças inflamatórias

Auxilia no acompanhamento de doenças autoimunes e infecciosas.

Se você trabalha em laboratório, docência ou saúde pública, aproveite o Guia de Exames da Pipeta e Pesquisa para consultar valores de referência, tubo adequado, interferências e interpretação clínica — incluindo fibrinogênio e dezenas de outros marcadores.
Acesse em: https://pipetaepesquisa.com.br

Ariéu Azevedo Moraes | Biomédico | Fundador da Pipeta e Pesquisa |Especialista em gestão laboratorial

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