Parasitas emergentes: desafios do diagnóstico laboratorial moderno

Globalização, clima e urbanização favorecem o surgimento de novos parasitas. Entenda o que são parasitas emergentes e quais os desafios do diagnóstico laboratorial moderno na parasitologia.

PARASITOLOGIAIMUNOLOGIA

Ariéu Azevedo Moraes

6/20/20254 min ler

Giardia sp.
Giardia sp.

Os parasitas estão mudando — e o diagnóstico laboratorial precisa mudar com eles.


Nos últimos anos, a globalização, as alterações climáticas e a expansão urbana abriram caminho para o surgimento de novos agentes e o retorno de parasitas antes restritos a certas regiões. Esses são os chamados parasitas emergentes, que desafiam a saúde pública e testam os limites da parasitologia moderna.

Embora muitos considerem a parasitologia uma “ciência clássica”, ela vive hoje uma das suas fases mais dinâmicas. Casos de Angiostrongylus, Toxocara, Leishmania e protozoários oportunistas mostram que as infecções parasitárias estão longe de ser um problema do passado — e continuam afetando milhões de pessoas, inclusive em ambientes urbanos.

Nesse contexto, o laboratório clínico assume papel decisivo: detectar precocemente, reconhecer padrões incomuns e notificar casos emergentes são ações que podem conter surtos e salvar vidas.
Este artigo analisa os principais desafios do diagnóstico laboratorial moderno diante dos parasitas emergentes e como a biomedicina vem se adaptando a esse cenário em constante evolução.

O que são parasitas emergentes?

Parasitas emergentes são agentes parasitários que:

  • Expandiram sua distribuição geográfica

  • Apresentaram aumento de incidência em regiões não endêmicas

  • Desenvolveram formas mais resistentes ao tratamento

  • Tiveram sua relevância clínica reconhecida recentemente

Essa emergência pode ocorrer por diversos fatores: alterações climáticas, desmatamento, viagens internacionais, migração populacional, mudanças no comportamento de vetores ou resistência a fármacos antiparasitários.

Principais parasitas emergentes e seus contextos clínicos

Giardia duodenalis (com genótipos zoonóticos)

Embora classicamente associada a quadros leves de diarreia, a giardíase tem mostrado genótipos com maior potencial patogênico, que afetam imunossuprimidos e crianças pequenas com maior gravidade. Estudos recentes apontam a persistência da infecção mesmo após tratamento com metronidazol, exigindo acompanhamento mais rigoroso.

Blastocystis spp.

Durante anos considerada um comensal intestinal, o Blastocystis spp. hoje é reconhecido por causar sintomas em pacientes suscetíveis. Sua detecção por parasitológico tradicional é difícil, sendo o PCR uma ferramenta cada vez mais indicada para sua identificação confiável.

Dados do CDC apontam que o Blastocystis já é um dos protozoários mais frequentes em fezes humanas analisadas nos EUA e América Latina.

Cyclospora cayetanensis

Protozoário emergente que causa surtos de diarreia prolongada, principalmente por ingestão de alimentos frescos contaminados, como vegetais e frutas lavadas com água imprópria. Detectado em países tropicais e, mais recentemente, em regiões urbanas no Brasil.

O diagnóstico exige coragem de suspeitar e preparo técnico: a oocisto não é facilmente visualizado sem colorações especiais, como modificada de Ziehl-Neelsen.

Strongyloides stercoralis

A estrongiloidíase é uma parasitose subestimada que pode permanecer assintomática por anos. Em imunossuprimidos, como pacientes em uso de corticoides ou quimioterapia, pode desencadear síndrome de hiperinfecção, com risco elevado de mortalidade.

A detecção exige exames seriados e técnicas sensíveis, como o método de Baermann-Moraes ou cultura de larvas em ágar.

Desafios laboratoriais no diagnóstico de parasitas emergentes

Apesar de sua importância, o diagnóstico parasitológico ainda enfrenta diversas barreiras na rotina laboratorial:

1. Falta de métodos moleculares

A maioria dos laboratórios ainda depende do exame parasitológico de fezes (EPF) por sedimentação espontânea ou centrífugo-flutuação, métodos que, embora úteis, têm sensibilidade limitada.

Técnicas como o PCR em tempo real, sequenciamento genético e detecção por antígenos são mais precisas, mas ainda inacessíveis na maior parte da rede pública.

2. Carência de profissionais treinados

A identificação morfológica de parasitas em microscopia requer experiência e tempo, algo cada vez mais raro em laboratórios com alta demanda e foco na automação.

A presença de um Analista Clínico experiente pode ser o diferencial entre um diagnóstico certeiro e um laudo inconclusivo.

3. Interpretação clínica dos achados

Nem sempre a presença de um parasita em fezes significa infecção ativa. O laboratório deve considerar:

  • Quantidade de parasitas

  • Presença de sintomas compatíveis

  • Histórico clínico do paciente

  • População de risco envolvida

Essa interpretação deve constar no laudo com orientações claras ao médico solicitante.

Avanços e soluções no diagnóstico parasitológico moderno

Apesar das dificuldades, a parasitologia tem avançado com:

  • Testes rápidos imunocromatográficos para Giardia, Entamoeba histolytica e Cryptosporidium

  • Exames multiplex por PCR, que detectam múltiplos parasitas em uma única amostra

  • Análise automatizada de imagens com inteligência artificial (em fase de testes)

  • Integração entre laboratório, vigilância epidemiológica e infectologistas

O futuro da parasitologia está na união entre tradição e inovação, onde o conhecimento microscópico clássico encontra o apoio da biologia molecular e dos algoritmos.

Quando suspeitar de parasitas emergentes?

O laboratório deve estar atento em situações como:

  • Diarreia prolongada sem diagnóstico definido

  • Pacientes imunocomprometidos com eosinofilia persistente

  • Surtos alimentares com sintomas gastrointestinais

  • Casos com histórico de viagem recente a áreas tropicais

  • Alterações laboratoriais associadas (hipereosinofilia, anemia refratária)

O papel do laboratório na notificação e controle

Além do diagnóstico, o laboratório clínico pode e deve participar da notificação de agentes incomuns ao sistema de vigilância, contribuindo para o controle epidemiológico.

Surtos de Cyclospora, por exemplo, têm origem alimentar e podem ser prevenidos com medidas públicas, desde que corretamente identificados.

Resumimos que:

Os parasitas emergentes representam um desafio real e crescente na prática diagnóstica atual. Suas manifestações são muitas vezes sutis, mas podem gerar impacto significativo na saúde pública, especialmente entre os mais vulneráveis.

Diante de um cenário em constante transformação, o laboratório precisa estar preparado — com métodos atualizados, equipe qualificada e mentalidade investigativa.

Parasitologia não é uma ciência do passado. É uma especialidade viva, que exige olhos treinados, curiosidade científica e, acima de tudo, compromisso com o diagnóstico certo, na hora certa.

Texto elaborado por Biomédico Ariéu Azevedo Moraes, especialista em Gestão Laboratorial

Referências

  • CDC – Parasites Emerging Infections

  • SBPC/ML – Diagnóstico laboratorial das parasitoses

  • Garcia, L. S. (2020). Diagnostic Medical Parasitology. 6th Ed. ASM Press.

  • Ministério da Saúde – Vigilância de doenças transmitidas por alimentos: gov.br/saude

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