Cristais na urina: o que significam e quando investigar?

Saiba o que são os cristais na urina, como são identificados nos exames laboratoriais, quais tipos merecem atenção clínica e quando é necessário aprofundar a investigação.

URINÁLISE

Ariéu Azevedo Moraes

6/19/20254 min ler

Cristais de Urina
Cristais de Urina

Cristais na urina: o que significam e quando investigar?

Introdução

O exame de urina tipo 1 (EAS) é uma das ferramentas mais acessíveis, rápidas e reveladoras da rotina laboratorial. Em meio a informações como densidade, pH, leucócitos, nitritos e glicose, um achado que frequentemente gera dúvidas é a presença de cristais na urina.

Embora muitas vezes sejam inofensivos, os cristais urinários também podem ser sinais precoces de doenças metabólicas, alterações hepáticas, desidratação ou risco de formação de cálculos renais. Saber quando esse achado é fisiológico — e quando merece atenção clínica — é uma habilidade essencial para biomédicos, laboratoristas, clínicos e urologistas.

O que são cristais urinários?

Os cristais na urina são estruturas sólidas microscópicas formadas a partir da precipitação de sais e minerais dissolvidos na urina. Eles surgem quando o ambiente urinário favorece essa cristalização, geralmente por alterações no pH, temperatura, concentração de solutos ou tempo de permanência da urina na bexiga.

A maioria dos cristais é detectada durante a análise microscópica do sedimento urinário, que deve ser realizado até 2 horas após a coleta da amostra fresca, para garantir sua estabilidade.

Tipos mais comuns de cristais urinários

A identificação dos cristais depende principalmente do pH urinário. Por isso, entender o ambiente onde cada tipo se forma é essencial para a interpretação correta.

Cristais encontrados em urina ácida:

  • Ácido úrico: formato de losangos ou placas; comuns em pessoas com dieta rica em proteínas, gota ou hiperuricemia.

  • Oxalato de cálcio: aspecto envelope ou octaédrico; podem estar associados a cálculos renais, excesso de vitamina C ou etilenoglicol.

  • Hipurato de amônio: cristais raros, em forma de agulhas finas, observados em situações específicas.

Cristais encontrados em urina alcalina:

  • Fosfato triplo (fosfato amônio-magnesiano): em forma de “tampa de caixão”; frequentemente presentes em infecções urinárias por germes urease positivos (como Proteus).

  • Fosfato amorfo: sem forma definida; geralmente fisiológicos, sem significado clínico.

  • Carbonato de cálcio: esféricos, raros em humanos.

Quando a presença de cristais merece investigação?

Embora seja comum encontrar cristais em exames de urina de pacientes saudáveis, algumas situações requerem investigação adicional:

  • Cristais em grande quantidade ou persistência em amostras repetidas

  • Associação com sintomas urinários, como dor lombar, disúria ou hematúria

  • Presença concomitante de leucócitos, hemácias ou cilindros

  • Identificação de cristais de cistina, tirosina ou leucina, considerados patológicos

Cristais com potencial clínico relevante:

  • Cistina: indicativo de cistinúria, um distúrbio hereditário do transporte de aminoácidos

  • Tirosina e leucina: presentes em pacientes com doenças hepáticas graves

  • Cristais de colesterol: observados em síndromes nefróticas

A simples presença de cristais não é, por si só, diagnóstica. O achado precisa ser contextualizado com os dados clínicos e laboratoriais do paciente.

Cálculos renais e a importância dos cristais

Os cálculos urinários (ou "pedras nos rins") muitas vezes se formam a partir da aglomeração de cristais. O estudo do sedimento urinário pode ser útil na prevenção ou monitoramento da litíase renal, especialmente quando se observa:

  • Predomínio de oxalato de cálcio ou ácido úrico

  • História pessoal ou familiar de nefrolitíase

  • Alterações metabólicas associadas (hipercalciúria, hiperoxalúria, hiperuricemia)

Em alguns casos, exames complementares como uroanálise 24h, avaliação de eletrólitos urinários e urografia excretora são solicitados para identificar a origem e o risco de recorrência.

Como o laboratório pode contribuir para um laudo completo?

Além de identificar o tipo de cristal, o laudo deve incluir informações que ajudam na interpretação clínica rápida, como:

  • pH urinário no momento da coleta

  • Quantidade e frequência dos cristais (raros, moderados ou abundantes)

  • Presença de outros elementos anormais no sedimento

  • Observações como “suspeita de cristal patológico” ou “sugestão de cálculo renal”

Analistas Clínicos têm papel ativo no esclarecimento de achados microscópicos que muitas vezes passam despercebidos no laudo.

Dicas práticas para evitar cristais de origem artefactual

Cristais podem se formar artificialmente após a coleta, especialmente se a amostra demorar a ser analisada ou for armazenada inadequadamente. Algumas recomendações incluem:

  • Coletar a primeira urina da manhã (mais concentrada e estável)

  • Enviar a amostra ao laboratório em até 2 horas

  • Evitar refrigeração prolongada, que favorece a precipitação

  • Homogeneizar suavemente o frasco antes de processar

Cristais na urina em crianças, idosos e gestantes

A formação de cristais pode variar conforme a faixa etária, dieta e estado clínico:

  • Em crianças, cristais de oxalato ou fosfato amorfo são comuns e geralmente fisiológicos.

  • Em idosos, distúrbios metabólicos e uso de medicamentos podem favorecer a precipitação.

  • Em gestantes, é importante diferenciar cristais fisiológicos de sinais de infecção ou complicações renais.

Conclusão

A presença de cristais na urina não é, por si só, um diagnóstico, mas representa um sinal de alerta ou um reflexo do ambiente urinário do paciente. Em muitos casos, trata-se de um achado benigno; em outros, pode ser o primeiro indício de uma condição metabólica, infecciosa ou nefrológica.

Saber quando investigar mais a fundo e como interpretar os achados de forma contextualizada é uma competência que reforça a atuação do laboratório clínico como parceiro ativo no cuidado ao paciente.

O olhar atento ao microscópio pode revelar mais do que se vê: pode ser o primeiro passo para prevenir algo maior lá na frente.

Texto elaborado por Biomédico Ariéu Azevedo Moraes, especialista em Gestão Laboratorial

Referências

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