Leveduras na urina: achado comum, interpretação crítica
A presença de leveduras no exame de urina pode indicar contaminação ou uma infecção urinária por fungos. Aprenda a diferenciar candidúria verdadeira de achados inofensivos, e entenda o papel do laboratório na interpretação correta.
MICROBIOLOGIAURINÁLISE
Ariéu Azevedo Moraes
9/20/20254 min ler


Leveduras na urina: achado comum, interpretação crítica
O caso de Ana: quando um achado muda a conduta
Ana, 61 anos, estava internada há mais de uma semana com diagnóstico de infecção urinária bacteriana. Era diabética, usava sonda vesical e já havia feito dois ciclos de antibióticos. Em mais um exame de urina, o laudo trouxe uma surpresa: “presença de leveduras”.
Inicialmente, o achado foi interpretado como contaminação. Mas a repetição da amostra, com coleta rigorosa, confirmou o mesmo resultado. A equipe decidiu solicitar urocultura específica para fungos. O crescimento de Candida albicans em quantidade significativa confirmou o que o exame inicial já sinalizava: uma candidúria verdadeira, silenciosa, mas potencialmente grave.
O que são leveduras?
Leveduras são fungos unicelulares. No contexto clínico-laboratorial, o gênero Candida é o mais frequentemente detectado em amostras de urina.
Principais espécies envolvidas em infecções urinárias:
Candida albicans
Candida glabrata
Candida tropicalis
Candida parapsilosis
Em pacientes saudáveis, essas leveduras podem habitar naturalmente a pele, mucosas e o trato gastrointestinal. No entanto, quando encontram condições favoráveis — como imunossupressão, uso de cateteres ou antibióticos de amplo espectro — elas podem migrar e colonizar locais estéreis, como a bexiga.
Leveduras na urina podem indicar contaminação da amostra ou infecção fúngica verdadeira, chamada candidúria. A interpretação correta exige atenção à coleta, sintomas, fatores de risco e confirmação por urocultura.
Como aparecem no exame?
No exame de urina tipo I, as leveduras podem ser visualizadas ao microscópio como estruturas ovais ou arredondadas, com parede espessa, podendo apresentar brotamentos (blastoconídios).
💡 Atenção: essas estruturas podem ser confundidas com cristais, lipídios, detritos celulares ou hemácias degeneradas. A diferenciação correta exige prática, boa iluminação e análise criteriosa do sedimento urinário.
Quando o achado pode ser irrelevante?
Nem toda levedura presente na urina representa doença. Em muitos casos, o achado é fruto de contaminação da amostra, principalmente em pacientes do sexo feminino.
Possíveis causas de falso positivo:
Coleta inadequada (sem higienização prévia)
Contaminação por secreções vaginais
Coleta no saco coletor de sondas (em vez de via sistema fechado)
Armazenamento inadequado da amostra
👉 Nesses casos, o ideal é repetir a coleta, orientando corretamente o paciente ou a equipe de enfermagem.
Quando devemos suspeitar de infecção?
O termo candidúria é utilizado quando há infecção urinária provocada por leveduras do gênero Candida. Essa condição pode ser assintomática ou sintomática, dependendo do estado imunológico do paciente e da presença de fatores predisponentes.
📌 Fatores de risco para candidúria verdadeira:
Diabetes mellitus mal controlado
Internação em UTI
Uso de cateter vesical prolongado
Antibioticoterapia de amplo espectro
Pacientes imunossuprimidos (HIV, câncer, transplantes)
Cirurgias urológicas recentes
🔍 Sinais clínicos de infecção sintomática:
Disúria
Febre sem foco evidente
Urgência e frequência urinária
Piúria (presença de leucócitos na urina)
Candidúria assintomática deve ser tratada?
Essa é uma das maiores dúvidas na prática clínica. Em muitos casos, não é necessário tratamento antifúngico, especialmente quando não há sintomas e o paciente não pertence a um grupo de risco.
Tratamento geralmente é indicado quando:
Há sintomas clínicos de infecção urinária
O paciente está imunossuprimido
Há planejamento de cirurgia urológica
A candidúria é persistente, mesmo após remoção de sondas ou suspensão de antibióticos
Quando indicado, o antifúngico mais usado é o fluconazol, mas a escolha depende da espécie isolada e da sensibilidade fúngica.
A cultura específica para fungos é indispensável?
Sim. O exame microscópico de urina pode levantar a suspeita, mas apenas a urocultura específica para fungos pode confirmar a infecção.
Diferenciais da urocultura fúngica:
Utiliza meios como ágar Sabouraud
Exige incubação prolongada (até 7 dias)
Permite contagem de UFC/mL para avaliar significância clínica
Identifica a espécie de Candida, o que orienta o tratamento
Na prática, se o laudo do EAS apontar “leveduras presentes”, e o contexto clínico for compatível, o ideal é que o médico solicite uma urocultura para fungos — especialmente se a presença for persistente em coletas sucessivas.
O papel do biomédico e do laboratório
A presença de leveduras na urina desafia o laboratório a ir além do diagnóstico técnico. O profissional que analisa o sedimento deve saber identificar, reconhecer o padrão de crescimento e, acima de tudo, valorizar o contexto clínico e a qualidade da amostra.
Ações que fazem diferença no dia a dia:
Incluir observações no laudo orientando nova coleta, quando necessário
Comunicar achados persistentes para a equipe médica
Recomendar cultura específica em casos suspeitos
Zelar pela qualidade da coleta, evitando amostras coletadas de maneira incorreta
Essa postura colaborativa reduz erros, evita tratamentos desnecessários e fortalece o papel do laboratório como elo de confiança entre equipe clínica e paciente.
Conclusão
As leveduras na urina não devem ser ignoradas, mas tampouco encaradas com alarde. Cada achado exige um olhar técnico e clínico integrados.
Coletas mal feitas geram ruído; interpretações isoladas podem levar a erros. A presença de leveduras pode ser só um aviso — mas, em alguns casos, é o primeiro sinal de que o organismo está sob risco fúngico silencioso.
Por isso, interpretar corretamente esse resultado é mais do que seguir um protocolo: é praticar biomedicina com consciência, diálogo e precisão.
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✍️ Texto escrito por Ariéu Azevedo Moraes, Biomédico, fundador da Pipeta e Pesquisa.
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Referências
Manual de Urinálise – Sociedade Brasileira de Patologia Clínica
Clinical Infectious Diseases – Candiduria: clinical significance and management
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